quarta-feira, 28 de maio de 2014

SARAU POÉTICO MUSA MUSEU

Musa Museu reuniu equipe e visitantes. Foto: Marcelo Ferreira

Na manhã de 26 de maio, aconteceu o Sarau Poético Musa Museu como parte da programação executada pelo Museu Histórico de Sergipe dentro da XII Semana de Museus (IBRAM). Foi uma visita monitorada com intervenções poéticas diante de obras do acervo exposto. Os contadores Marcelo Ferreira, Rafael Conceição, Bruno Filipe, Eduardo Rosário, Luana Almeida e Thiago Fragata, coordenador, revezaram-se na leitura compartilhada diante do público. 

De inicio, no lançamento da exposição "O Museu de Cultura Popular de São Cristóvão: como sonhava José Augusto Garcez", o museólogo Marcelo Ferreira fez leitura de texto de Zózimo Lima, onde o jornalista narra suas impressões de uma visita feita ao Museu de Arte e Tradição, em 1951. Confira no recorte:

Correio de Aracaju, 15 de setembro de 1951

Na sala do cangaço, diante de objetos que remetem a saga de Lampião, o monitor Rafael Conceição sacou o cordel Se Lampião fosse vivo, de Isabel Nascimento e disparou:


Rafael Conceição fez leitura de cordel

SE LAMPIÃO FOSSE VIVO
Isabel Nascimento

O que impera hoje em dia
É a lei da impunidade
Falta de oportunidade
Desavença, hipocrisia
Trago uma analogia
Ao período alusivo
Num trabalho exclusivo
Sobre os sertões “O Líder dos Sertões”
E em quais situações
Nós o desejamos vivo.

Com injusto padecer
Nosso povo humilhado
Sente-se desamparado
Sem ter a quem recorrer
Manda a lei do poder
Num proceder abusivo
Falta gosto e incentivo
Pra acabar com a Cobiça
Nesse mundo de injustiça
Quem dera Lampião vivo!

Eu vi um deficiente
Procurar pela Pericia
Pois trabalhou na Policia
Antes de um acidente
O médico em sua frente
Com olhar repreensivo
Disse, em tom pejorativo:
“Vá trabalhar, meu senhor!”
Disse pr’esse Doutor:
Quem dera Lampião vivo!

Já o “Cabra” que tem saúde
Mas não carrega uma caixa
Ata, no braço, uma faixa
E sai pedindo: “Me ajude!”
Sem ter nenhuma virtude
Num padecer inventivo
Chorando sem ter motivo
Diz: “me aposente, doutor!”
Diria a esse enganador:
Quem dera Lampião vivo

Virgulino, sem saber
Tornou-se Celebridade
Mesmo com toda maldade
Que costuma a fazer
No tempo em que o poder
Tinha cunho repressivo
Lampião não foi passivo
Ao jugo desta cobiça
Não aceitava injustiça
No tempo em que era vivo.

Nos dias em que vivemos
De avareza e de preguiça
Se antes não tinha justiça
Agora tem muito menos
Não se respeita os pequenos
Pela “Lei do Sobrevivo”
O Dinheiro é decisivo
Em nossa Sociedade
Pra toda desigualdade
Quem dera Lampião vivo! (...)

Vigaristas mentirosos
Ricaços Exploradores
Bandidos Estrupadores
Policiais Criminosos
Quem maltratar os idosos
E que é blasfemativo
Tem instinto destrutivo
Vive fazendo besteira
Cairia na “Peixeira”
Se Lampião fosse vivo.


O monitor Bruno Filipe recitou uma poesia de Manoel Ferreira, obra que o primeiro diretor do Museu Histórico de Sergipe (gestão 1960/1970) ofertou em 2013, na ocasião da XI Semana Nacional de Museus.  


Poeta Manoel Ferreira, ex-diretor do MHS

MUSEU DE SERGIPE
Manoel Ferreira

São Cristóvão vibra e canta
Expressando prazer e alegria,
Acolhendo no Museu de Sergipe
Honrosas e simpáticas visitas.

O evento nos trás recordações e saudades
Quando este humilde operário,
Ocupando mandato de Deputado Estadual
Indicou este palácio consoante projeto de sua autoria
Sede do Museu de Sergipe.

Aqui se encontra
Acervo de maior relevância
Alegrando e enriquecendo
De conhecimento, novas gerações.

Museu de Sergipe
Meritória instituição
Pela relevância de seu acervo
Conquistando respeito e estima.


Thiago Fragata recitou versos que Freire Ribeiro dedicou ao MHS

Em seguida, Thiago Fragata compartilhou versos que Freire Ribeiro dedicou ao Museu Histórico de Sergipe. A poesia foi extraída da obra "São Cristóvão em Sergipe D’El Rey", de 1971. 

MUSEU
Freire Ribeiro 

Penetro o Museu
No belo Palácio!...
Bagnuolo me fala
De luta sangrenta
Que a História aviventa!

Feroz mortandade
As tropas de Holanda
Brigando nas ruas
Da nobre cidade!
Labatut, vai comigo...
Brigadeiros, barões!...
Dom Pedro Segundo
Outrora bailando
De barbas bem loiras,
Nos grandes salões!

Esculturas em pedra
- tesouros achados
Na terra enterrados
Num velho convento,
- ruína sagrada,
Sem frades, sem santos,
No templo ultrajado!

Cadeirinha mimosa...
Onde negros escravos
Chegados do Congo?
Cadeirinha saudosa
De linda Senhora,
De langue Donzela
De cor duma estrela
Nas montras da aurora!

Brazão esplendente
Brasil refulgente
Aos olhos do mundo
Nos fastos do Império
Com Pedro Segundo!

Um Cristo, obra-prima.
- imagem sombria
Sem braços, penando,
Em chagas sangrando
Numa imensa agonia!

A tarde, lá fora,
Em luz se desfaz:
São Cristóvão é um ninho
De sonho e de paz!...

Cachimbos, taieiras,
Ferrenhos punhais
Dos cãibras do Norte
Instrumentos terríveis
De cenas de morte!

Canhões de outras eras
Com limos de glória,
Dormindo, caducos,
Nas noites da História!

Pistolas, espadas
Mil bravos lembrando
Cocares e bestas
Com arcos de índios
Nas paredes pousando!

Horácio, presente
Nos quadros eternos
Da nossa pintura!

Cenário ameríndio:
Em tela gigante
Cecília dormindo
Em selvagem piroga,
Em doce postura
À sombra do índio!

Régias camas vazias
Com lindos brocados,
Recordando mil noites
Com corpos amados!...

A cama é um ninho,
Uma breve pousada
Do corpo que espera
A viagem do nada!...

(...)

As sombras me falam,
Os mortos me chamam!
A tarde é lá fora
Em sanguínea agonia
Uma rosa dorida!
O Palácio está cheio
De vultos fugidos
Das cenas da vida!

A vida, me chama!
São Cristóvão cintila
Num lindo poente
De púrpura e ouro
Na tarde tranqüila!

Adeus, São Cristóvão!


Obra de Horácio Hora, Peri e Ceci, de 1882. Acervo MHS


O intérprete Eduardo Rosário fez a leitura de um trecho do romance "O Guarani" (1857), de José Alencar. Sabe-se que esta obra inspirou o artista laranjeirense Horácio Hora a fazer sua obra-prima, Peri e Ceci, em 1882. O Museu Histórico de Sergipe guarda o maior acervo do artista festejado como representante do romantismo brasileiro nas artes plásticas. 


O GUARANI

(...)

Quando o sol, erguendo-se no horizonte, iluminou os campos, um montão de ruínas cobria as margens do Paquequer. Grandes lascas de rochedos, talhadas de um golpe e semeadas pelo campo, pareciam ter saltado do malho gigantesco de Novos Ciclopes. A eminência sobre a qual estava situada a casa tinha desaparecido, e no seu lugar via-se apenas uma larga fenda semelhante à cratera de algum vulcão subterrâneo.(...)

Quem plainasse nesse momento sobre aquela solidão, e lançasse os olhos pelos vastos horizontes que se abriam em torno, se a vista pudesse devassar a distancia de muitas léguas, veria ao longe, na larga esteira do Paraíba, passar rapidamente uma forma vaga e indecisa. Era a canoa de Peri, que impelida pelo remo e pela viração da manhã corria com uma velocidade espantosa, semelhando uma sombra a fugir das primeiras claridades do dia.

Toda a noite o índio tinha remado sem descansar um momento; não ignorava que D. Antônio de Mariz na sua terrível vingança havia exterminado a tribo dos Aimorés, mas desejava apartar-se do teatro da catástrofe, e aproximar-se dos seus campos nativos. Não era o sentimento da pátria, sempre tão poderoso no coração do homem; não era o desejo de ver sua cabana reclinada à beira do rio e abraçar sua mãe e seus irmãos, que dominava sua alma nesse momento e lhe dava esse ardor.

Era sim a ideia de que ia salvar sua senhora e cumprir o juramento que tinha feito ao velho fidalgo; era o sentimento de orgulho que se apoderava dele, pensando que bastava a sua coragem e a sua força para vencer todos os obstáculos, e realizar a missão de que se havia encarregado.

Quando o sol, no meio de sua carreira, lançava torrentes de luz sobre esse vasto deserto, Peri sentiu que era tempo de abrigar Cecília dos raios abrasadores, e fez a canoa abicar à beira do rio na sombra de uma ramagem de árvores.

A menina envolta na sua manta de seda, com a cabeça apoiada sobre a proa do barquinho, dormia ainda o mesmo sono tranqüilo da véspera; as cores tinham voltado, e sob a alvura transparente de sua pele brilhavam esses tons cor-de-rosa, esse colorido suave, que só a natureza, artista sublime, sabe criar.

Peri tomou a canoa nos seus braços, como se fora um berço mimoso, e deitou-a sobre a relva que cobria a margem do rio; depois sentou-se ao lado, e com os olhos fitos em Cecília, esperou que ela saísse desse sono prolongado que começava a inquietá-lo. Tremia lembrando-se da dor que sua senhora ia sentir quando soubesse a desgraça de que ele fora testemunha na véspera; e não se achava com forças de responder ao primeiro olhar de surpresa que a menina lançaria em torno de si, logo que despertasse.




Vinicius de Morais dedicou poesia ao artista sergipano Jenner Augusto

Finalizando as atividades do Sarau Poético Musa Museu, a acadêmica de Turismo, Luana Almeida, recitou versos que Vinicius de Morais dedicou ao artista sergipano Jenner Augusto.  


JENNER AUGUSTO, ARTISTA PINTOR
Vinicius de Morais
Trouxeste de Sergipe
A contida paixão, a ascese, a fome, o fulcro
 
Da alma nativa, a agreste crispação
Da mata branca da caatinga, a alta tensão
Da palha de onde os pássaros
 
Se picam ao latir dos estampidos
 
De uma nova vingança, os descaminhos
Da vingança, os paroxismos
Da herança, as consoantes da palavra honra
O fulgor azul das laminas, o grito
Vermelho dos estupros, o olho injetado e morto dos coágulos.
(...)

Meu irmão Jenner Augusto
Pintor dos que mais sabem e mais aprendem 
Cheio de inexprimível piedade
Pelo homem, esse bicho tão pequeno
Pinta-me uma cidade
Onde viva em paz, se sofra menos
Uma branca cidade
Sempre crepuscular e em tons serenos
Onde eu possa iludir-me
Sobre o amor, sobre a dor e sobre o tempo
E morrer me esvaindo
 
No doce balbucio das estrelas.

FONTES DE PESQUISA 
ALENCAR, Jose de. O Guarani. Rio de Janeiro: INL, 1958.
FERREIRA, Manoel. Museu de Sergipe (poesia). São Cristóvão, 2013. Digitado. Acervo MHS.
NASCIMENTO, Isabel. Se Lampião fosse vivo. Aracaju, set. 2007. (Literatura de cordel)
Ribeiro, Freire. São Cristóvão em Sergipe D’El Rey (poesia). Aracaju, 1971. 
MORAIS, Vinicius de. Jenner Augusto, artista plural (poesia). In: PONTUAL, Roberto. Jenner e a Arte Moderna na Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974, p. 121.

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