segunda-feira, 5 de maio de 2014

RODA DE LEITURA ÍNDIO CIDADÃO HOMENAGEOU LUIZ ALBERTO

contadores, alunos e professores prestigiaram o evento. Foto: Katia Paim


Sucesso temperado com História, literatura e emoção, isso resume a Roda de Leitura Índio Cidadão que ocorreu na quarta (30/4), no auditório do Museu Histórico de Sergipe, em São Cristóvão. Participaram os  contadores/convidados Cacique Apolônio da tribo Xokó, Marcos Paulo (SUBPAC), Vania Correia (SUBPAC), Denize Santiago (SUBPAC-MASC), Kleckstane Farias (IPHAN- São Cristóvão)  e Chico Buchinho. Na plateia, olhos atentos, alunos do Colégio Estadual Deputado Elísio Carmelo e do Colégio Estadual Padre Gaspar Lourenço.

Thiago Fragata, coordenador do evento, iniciou revelando pesquisas. Recitou trechos da poesia que Frei Anchieta, o mais recente religioso reconhecido santo pela Igreja Católica, fez em homenagem ao Governador Mem de Sá e que seria um dos relatos do trágico fim do Bispo Pero Fernandes Sardinha, em 1556, na costa alagoana (atual Coruripe), que teria contribuído para declaração da Guerra de Conquista do território de Sergipe D’El Rey em 1590.   

José de Anchieta 

DE GESTIS MENDI DE SAA (OS FEITOS DE MEM DE SÁ)

(...)  

[O NAUFRÁGIO]

Assim em vão oravam, assim de continuo gemiam.
O oceano cruel em turbilhão os acomete de flanco
e por desgraça arroja a nau sobre os duros rochedos.
Assaltam-na as ondas que esbravejam de escuma,
batem-na contra os escolhos e com roncos furiosos
a despedaçam: soltam-se as tábuas, ameaçam os mastros
medonha ruína. Eis que alguns se atiram às ondas
para salvar-se a nado: mas a onda torva os arrasta,
os envolve e os atira aos rochedos brancos de espuma
outros de melhor parecer num escaler se acomodam
e à força de muitos remos se dirigem à praia.
Mas desembaraçados, com os corpos úmidos d'água salgada,
para logo o gentio malvado lhe sai ao encontro:
traz no peito feroz o ardil preparado,
dá provas de fingida amizade; acolhe os cansados
e  necessitados náufragos e os conduz às ocas traidoras.
Põe-lhes alimento, acende fogueiras para aquentar-lhes
os corpos gelados e os membros que tiritam de frio.

A que excessos não obrigas os corações dos selvagens,
ó execranda fome de carne humana! Apressada,
a turba feroz percorre as aldeias vizinhas,
prepara arcos e flechas, aconselha as foices recurvas
e tacapes pintados, enquanto outros, com vozes amigas
e mesa posta, enganam aos que nada de mal suspeitavam.
Afinal descobrem as ciladas e gemem: “salvos do abismo
e das tormentas do mar, será possível que agora
sejam espostejados, por dentes selvagens, míseros corpos
que o mar furioso poupou?

(...)

Fogem pois dos antros traiçoeiros e buscam as praias
de novo: pressurosos percorrem areais ignorados
homens alquebrados pelo trabalho, delicadas donzelas
e pacíficos meninos. Oh! Se houvesse algum modo
de escapar às fauces cruéis! Mas já o feroz inimigo
lhe corre ao encalço e enche as praias de hórridos brados,
insultando aos desgraçados. Já voam setas de longe
e trespassam, sem dó nem piedade, ora uns, ora outros.
Os golpes destroçam a pobre multidão indefesa:
como quando lobos dos montes se abatem sobre um rebanho
de mansas ovelhas: lá vão horrendos, pungidos da fome,
ameaçando mortes; os cruéis dentes se fincam nas goelas das vítimas, rasgam e sugam o sangue e devastam com muitas mortes a grei inocente.

Chegam por fim a um rio de leito profundo
que lhes barra o caminho. De um lado as águas os cercam,
do outro, em transporte de fúria cruel, o inimigo os ataca.
Começa a matança: a estes mil setas varam o peito
todo ensanguentado, àqueles o tacape parte a cabeça,
a outros o ferro da espada rasga as entranhas.
O chão estremece ao baque dos corpos feridos,
e o sangue em borbotões tinge as brancas areais.
Oh! quem conteria as lágrimas, quem do fundo do peito
não arrancaria gemidos, ao ver morrer as donzelas
de morte ignóbil. Cruéis despedaçam com golpes ferozes
os delicados corpos, fincam-lhe paus sem pudor nem respeito,
e assim as arrastam com fúria pelas praias bravias.
Espetáculo infame e indigno de ver-se! Que sentimento
experimentaste, malvado, ao perpetrar tais crueldades?
Que ódio penetrou teu coração feroz ao trespassares
tenras carnes com paus agudos agudos, ó sanguinário?

(...)

[A MORTE DO BISPO]

Corre o Bispo para a úmida praia
e, caindo, seus joelhos cansados se afundam na areia.
Ergue mil preces ao Pai celeste, e nos termos que pode,
assim fala ao bando furioso: “sou eu, sou eu mesmo
o grande abaré! Porque procurais dar-me a morte?”
mas que suspiros lhes dobrariam os loucos intentos,
que queixumes ou lagrimas? Seria mais fácil
comover leões da África ou leopardos ferozes
do que com rios de prantos dobrar esses selvagens
acostumados a fartar o ventre com carnes humanas.

Assim clama ele em vão, ajoelhado na praia.
Rápido, vem-lhe ao encontro, pela parte contrária
o desalmado inimigo, de espada em punho. Cego de raiva,
com a foice recurva lhe fende pelo meio a cabeça,
afeiando a fronte ungida, com ferida de morte:
ele caindo forma na margem vasta mancha de sangue.
Os membros todos lhe desfalecem aos poucos: em breve
espetáculo lastimável, exala o derradeiro suspiro.
Foi este o fim do grande Prelado, quem por primeiro
regeu as plagas brasílicas, de báculo, mitra e tiara.
Glorioso outrora, ei-lo estendido na margem do rio,
cadáver inundado de sangue, e, ó cena horrível!
Todo despido, todo ferido, sem a paz do sepulcro.
Assim o braço impiedoso deu morte infamante
a muitas vidas, juncou a terra de cristãos, imolados
cruamente, banhando as praias com sangue inocente.

ANCHIETA, José de. De Gestis mendi de Saa [Os feitos de Mem de Sá]. São Paulo: Loyola, 1986, p. Livro II, p. 187-193.

Denize Santiago (SUBPAC-MASC ) Contadora 

A contadora Denize Santiago (SUBPAC) compartilhou um trecho do romance de José de Alencar, O Guarani (1857), obra que inspirou Horácio Hora a fazer o seu belo quadro Peri e Ceci em 1882.


Peri e Ceci (1882) é uma das obras de Horácio Hora expostas no MHS 



O GUARANI (1857)
José de Alencar

(...)

Quando o sol, erguendo-se no horizonte, iluminou os campos, um montão de ruínas cobria as margens do Paquequer. Grandes lascas de rochedos, talhadas de um golpe e semeadas pelo campo, pareciam ter saltado do malho gigantesco de Novos Ciclopes. A eminência sobre a qual estava situada a casa tinha desaparecido, e no seu lugar via-se apenas uma larga fenda semelhante à cratera de algum vulcão subterrâneo.(...)

Quem plainasse nesse momento sobre aquela solidão, e lançasse os olhos pelos vastos horizontes que se abriam em torno, se a vista pudesse devassar a distancia de muitas léguas, veria ao longe, na larga esteira do Paraíba, passar rapidamente uma forma vaga e indecisa. Era a canoa de Peri, que impelida pelo remo e pela viração da manhã corria com uma velocidade espantosa, semelhando uma sombra a fugir das primeiras claridades do dia.

Toda a noite o índio tinha remado sem descansar um momento; não ignorava que D. Antônio de Mariz na sua terrível vingança havia exterminado a tribo dos Aimorés, mas desejava apartar-se do teatro da catástrofe, e aproximar-se dos seus campos nativos. Não era o sentimento da pátria, sempre tão poderoso no coração do homem; não era o desejo de ver sua cabana reclinada à beira do rio e abraçar sua mãe e seus irmãos, que dominava sua alma nesse momento e lhe dava esse ardor.

Era sim a idéia de que ia salvar sua senhora e cumprir o juramento que tinha feito ao velho fidalgo; era o sentimento de orgulho que se apoderava dele, pensando que bastava a sua coragem e a sua força para vencer todos os obstáculos, e realizar a missão de que se havia encarregado.

Quando o sol, no meio de sua carreira, lançava torrentes de luz sobre esse vasto deserto, Peri sentiu que era tempo de abrigar Cecília dos raios abrasadores, e fez a canoa abicar à beira do rio na sombra de uma ramagem de árvores.

A menina envolta na sua manta de seda, com a cabeça apoiada sobre a proa do barquinho, dormia ainda o mesmo sono tranqüilo da véspera; as cores tinham voltado, e sob a alvura transparente de sua pele brilhavam esses tons cor-de-rosa, esse colorido suave, que só a natureza, artista sublime, sabe criar.

Peri tomou a canoa nos seus braços, como se fora um berço mimoso, e deitou-a sobre a relva que cobria a margem do rio; depois sentou-se ao lado, e com os olhos fitos em Cecília, esperou que ela saísse desse sono prolongado que começava a inquietá-lo. Tremia lembrando-se da dor que sua senhora ia sentir quando soubesse a desgraça de que ele fora testemunha na véspera; e não se achava com forças de responder ao primeiro olhar de surpresa que a menina lançaria em torno de si, logo que despertasse no meio do deserto.

(...)

O índio fez a canoa boiar sobre as águas do rio, e quando tomou a menina nos seus braços para deitá-la no barquinho, ela sentiu pela primeira vez na sua vida que o coração de Peri palpitava sobre o seu seio.

A tarde estava soberba; os raios do sol no ocaso, filtrando por entre as folhas das árvores, douravam as flores alvas que cresciam pela beira do rio. As rolas começavam a soltar os seus arrulhos no fundo da floresta; e a brisa, que passava ainda tépida das exalações da terra, vinha impregnada de aromas silvestres. A canoa resvalou pela flor da água como uma garça ligeira levada pela correnteza do rio.

Peri remava sentado na proa. Cecília, deitada no fundo, meio apoiada sobre uma alcatifa de folhas que Peri tinha arranjado, engolfava-se nos seus pensamentos, e aspirava as emanações suaves e perfumadas das plantas, e a frescura do ar e das águas. Quando os seus olhos encontravam os de Peri, os longos cílios desciam ocultando um momento o seu olhar doce e triste.

A noite estava serena. A canoa, vogando sobre as águas do rio, abria essas flores de espuma, que brilham um momento à luz das estrelas, e se desfazem como o sorriso da mulher. A brisa tinha escasseado; e a natureza adormecida respirava a calma tépida e perfumada das noites americanas, tão cheias de enlevo e encanto. A viagem fora silenciosa: essas duas criaturas abandonadas no meio do deserto, sós em face da natureza, emudeciam, como se temessem despertar o eco profundo da solidão.

ALENCAR, José de. O Guarani. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958. 


Kleckstane Farias (IPHAN - São Cristóvão) Contadora

A contadora Kleckstane Farias (IPHAN) fez a leitura da lenda de Serigy, contada por Severiano Cardoso em 1907.


Severiano Cardoso recontou lendas sergipanas

SERIGY

Agarrada a crista da Serra de Itabaiana, como um ninho de gaivota, havia em tempos remotos uma rala palhoça de palmas verdes de coqueiro e ouricuris, onde viviam Serigy e Bahia, esse casal lendário de bravos indígenas.

Serigy, tipo masculino e impetuoso, vastos e grandes cabelos castanhos, olhos vivos de brasa, testa vasta e muito saliente, cabeça erguida e de bom tamanho, indomável na vontade e forte nos combates. Era um bravo e simpático caboclo.

Bahia, era uma bela selvagem, seios tesos, longos cabelos negros, amorosa nos jeitos e boa índole; amava doidamente a Serigy. Amavam-se pelas ardentias dos verões sergipanos, sob o cocada do coqueiral imenso, à sombra deliciosa dos glaucos canaviais bravios, mirando-se as vezes no espelho das fulgidas correntes murmurantes, outras vezes correndo às doiradas praias do mar.

Viviam contentes na sua bárbara felicidade, no erro inspirador das matas, pelo espinhoça das montanhas e pela sombra dos vales úmidos e floridos; nas noites de luar, como devia de ser bom ouvir-lhes deferir as maviosas trovas pelas subidas dos morros e pelas areias dos campos!

Assim passavam; e, quando cansados de vaguear entre o São Francisco e o rio Real, pousavam na palha da serra, então celebravam os idílios de seus felizes e profundíssimos amores.

Tiveram certo dia uma filha, primeiro fruto de sua amizade, e a qual chamou-se Cotinguiba. Idolatravam-na fanaticamente.

Certa vez, desceram eles as beiras do mar, deixando a sós a pequerrucha.
E eis, que veio uma grande Águia Real, raptou-a, indo entrangulá-la distante, sobre as barrancas de lamaçal que hoje tem seu nome. Quando os pais voltaram não a encontrou mais, nem ao menos vestígios da adorada selvagenzinha, foi um quadro que não se pode debochar: ambos soluçaram, gritaram, banharam-se em lágrimas, e, como loucos, batiam com as cabeças de encontro as árvores e as pedras, Já não cantavam para eles o sabiá, nem a patativa meiga trinavam sobre fronde cheirosas das ramarias em flor. Toda a alegria da sua vida, agora virara-se em luto, desolação e tristeza. Debalde erraram por montes e vales; debalde, tudo debalde!... Eis se não quando, já desenganados de toma-la a ver, se lhes deparou às vistas alucinados o corpo defunto e estraçalhado da vítima inocente, velado pela majestosa Águia Real.

Serigy atirou-se como um leão audacioso rapace; mas foi baldado o esforço da vingança; a ave soberana levantou vôo, e, asas panda da imensidão do espaço, desapareceu em breve como um ponto negro para além das nuvens... Em vão assobiaram rompendo os ares as setas velozes de duas aljavas; em vão esticaram mil vezes as cordas vibrantes de dois arcos destemidos e vitoriosos; em vão! A Águia a partiu de encontro ao globo do sol...

O cadáver de Contiguiba foi sepultado na correnteza do rio a qual deu nome; Serigy, tresloucado pela dor do sinistro acontecimento, ao voltar a Crista da serra incendiou a palhoça; e, depois de um dia de sepulcral mudez ao nascer da lua cheia, varou o coração uma flexa [despencando-se] pela chanfradura da rocha...

Bahia, partiu-se errante em busca de outras plagas onde criou uma nova tribo, com a qual pretendeu apossar-se das plagas onde jazem os restos dos seus estremecidos finados...

E assim foi a história de Serigy.



Luiz Alberto dos Santos foi homenageado

O Cacique Apolônio Xocó é embaixador do seu povo que vive na Ilha e São Pedro, em Porto da Folha, no interior de Sergipe. Ele coordena o programa “A voz do Índio” na Rádio Aperipê AM, sempre às quartas-feiras, a partir das 8:00 da manhã. Nosso convidado coordenou as homenagens ao saudoso Professor Luiz Alberto dos Santos, falecido no dia 12 de abril. Juntamente com os professores Beatriz Góis Dantas, Fernando Lins e  Hélia Maria de Paula Barreto, o professor Luiz Alberto contribuiu com pesquisa no processo de reconhecimento das terras do único remanescente indígena de nosso estado, entre 1979/1984.



Cacique Apôlonio falou do seu povo, tradição e recitou poesia

O MARACÁ
Cacique Apôlonio

Quase sem vida, sentir mãos me tocar
Passos me carregavam, não sabia para qual lugar.
Uma simples cabaça eu era
Aos poucos começou o transformar
Em meu corpo fizeram atravessar
Tiraram as minhas sementes
Para emitir um som
Colocaram outras no lugar.
Quando eu pensei que estava morrendo
É que pude perceber
Que o processo pelo qual estava passando
Era para sobreviver.
Eu sou uma vez que chama, grita e chama
Fui nomeado por maracá
Criado para cantar.

Hoje sou instrumento
Cheio de força e poder
O meu som é um pedido
Peço eu o meu povo fiquei unido
Para a cultura não morrer
Sou tocado por cacique e pajé
Transmito força e segurança
Aos índios guerreiros,
Quando dançam o toré
Ei, sim!! Eu sou maracá!
Canto tanto, quanto sabiá
E peço que todos reflitam
Índios unidos são guerreiros
jamais serão vencidos.



Riso França contribuiu na recitação de poesias


Riso França declamou poesia do índio Xokó Nilo Acássio.

DE POUCO EM POUCO, MUITO AINDA SERÁ POUCO
Nilo Acássio Xokó

Xokó
Chegou a hora
Do nosso compromisso,
Vamos todos nos juntar
Pois o nosso planeta
Está em risco.

Destruir rios e florestas,
Aumenta a poluição
Estamos cavando a nossa cova,
E destruindo uma nação.

Se o desmate continuar,
Em poucos anos a metade
Do rio irá secar.
Será um grande tormento,
Também, um grande lamento,
Por água irão guerrear.

Lá vem a grande força,
Dos rios junto com o mar,
Fazendo uma só corrente,
Onde o mal não pode passar.
Quanto ao Xokó, exemplos
De como devemos reinar.



Chico Buchinho declamou poesia

João Francisco, popular Chico Buchinho, prestou homenagens ao amigo Luiz Alberto. O Secretário Articulação Politica e Movimentos Sociais é poeta e brindou os presentes com os versos de “Índio Postal”, trabalho ilustra um dos livros da antropóloga Beatriz Góis Dantas, grande estudiosa do tema indígena em nosso Estado.

ÍNDIO POSTAL
João Francisco

Quando ele nasceu para o branco
Já tinha apito
Pena no peito
E um jeito de andar
Como índio.

Foi pensando ser irmão do branco
Que sua mão em punho
Levantou-se
E lhe caiu dos olhos
A primeira lágrima.

E logo cedo apareceu mais branco
Com pimenta e gravata
Lhe vestindo a alma
E purificando a sombra
De suas orações.

Não foi só Sepé que viu o branco
Nem Tuxá, Xokó, Xukuru,
Kariri, Tupi ou Cambiwá
E não era somente de semente
Que seus frutos serviam para amar.

Quando ia um vinha outro branco
Caravelas e botas navegando
Todos eles queriam ser da raça
E da taça do sangue
Iam provando.

Era ter um escravo tinha um branco
Que o índio queria “atrapalhar”
Trabalhar como preto
Não queria
Era sempre o branco que dizia.

Ficou negro e caboclo com o branco
Pele de sol
Gosto de aracá
Maionese, goiaba, acarajé,
Oxum com Cristo e Pajé.

Fez-se o verde/amarelo junto ao branco
Com flores até resplandecer
De República azul
Cor de estrelas
Bandeira para se enxugar

O índio postal saiu do branco
Das trevas sem aldeia
Flecha e arco
E foi para a cidade
Guerrear.

Quando ele morreu para o branco
Não tinha apito
Nem pena no peito
E já tinha jeito de andar

Como branco.

   
Vania Correia leu poesia de Luiz Alberto



Em nome de todos os presentes, Vania Correia fez a leitura de uma poesia de Luiz Alberto. Depois compartilhou trechos da carta que o Cacique Seatlle, da tribo Suquamish, teria endereçado ao presidente do EUA, Franklin Pierce, em 1855, como resposta a oferta de compra de terras indígenas. Apesar da polêmica em torno da sua veracidade, o documento permanece como um belo e esclarecedor poema acerca da preservação do meio ambiente. 

Reconstituição do Cacique Seatlle


CARTA DO CACIQUE SEATLLE, 1855


"O grande chefe de Washington mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade. Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos, o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu, o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais, árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar, sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões? Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã. Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco pode evitar o nosso destino comum."

GALERIA DE IMAGENS DA RODA DE LEITURA ÍNDIO CIDADÃO
MUSEU HISTÓRICO DE SERGIPE, 30 DE ABRIL











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