contadores, alunos e professores prestigiaram o evento. Foto: Katia Paim |
Sucesso
temperado com História, literatura e emoção, isso resume a Roda de Leitura
Índio Cidadão que ocorreu na quarta (30/4), no auditório do Museu Histórico de
Sergipe, em São Cristóvão. Participaram os
contadores/convidados Cacique Apolônio da tribo Xokó, Marcos Paulo
(SUBPAC), Vania Correia (SUBPAC), Denize Santiago (SUBPAC-MASC), Kleckstane
Farias (IPHAN- São Cristóvão) e Chico
Buchinho. Na plateia, olhos atentos, alunos do Colégio Estadual Deputado Elísio
Carmelo e do Colégio Estadual Padre Gaspar Lourenço.
Thiago
Fragata, coordenador do evento, iniciou revelando pesquisas. Recitou trechos da
poesia que Frei Anchieta, o mais recente religioso reconhecido santo pela
Igreja Católica, fez em homenagem ao Governador Mem de Sá e que seria um dos
relatos do trágico fim do Bispo Pero Fernandes Sardinha, em 1556, na costa alagoana
(atual Coruripe), que teria contribuído para declaração da Guerra de Conquista
do território de Sergipe D’El Rey em 1590.
José de Anchieta |
DE GESTIS MENDI DE
SAA (OS FEITOS DE MEM DE SÁ)
(...)
[O NAUFRÁGIO]
Assim
em vão oravam, assim de continuo gemiam.
O
oceano cruel em turbilhão os acomete de flanco
e
por desgraça arroja a nau sobre os duros rochedos.
Assaltam-na
as ondas que esbravejam de escuma,
batem-na
contra os escolhos e com roncos furiosos
a
despedaçam: soltam-se as tábuas, ameaçam os mastros
medonha
ruína. Eis que alguns se atiram às ondas
para
salvar-se a nado: mas a onda torva os arrasta,
os
envolve e os atira aos rochedos brancos de espuma
outros
de melhor parecer num escaler se acomodam
e
à força de muitos remos se dirigem à praia.
Mas
desembaraçados, com os corpos úmidos d'água salgada,
para
logo o gentio malvado lhe sai ao encontro:
traz
no peito feroz o ardil preparado,
dá
provas de fingida amizade; acolhe os cansados
e necessitados náufragos e os conduz às ocas
traidoras.
Põe-lhes
alimento, acende fogueiras para aquentar-lhes
os
corpos gelados e os membros que tiritam de frio.
A
que excessos não obrigas os corações dos selvagens,
ó
execranda fome de carne humana! Apressada,
a
turba feroz percorre as aldeias vizinhas,
prepara
arcos e flechas, aconselha as foices recurvas
e
tacapes pintados, enquanto outros, com vozes amigas
e
mesa posta, enganam aos que nada de mal suspeitavam.
Afinal
descobrem as ciladas e gemem: “salvos do abismo
e
das tormentas do mar, será possível que agora
sejam
espostejados, por dentes selvagens, míseros corpos
que
o mar furioso poupou?
(...)
Fogem
pois dos antros traiçoeiros e buscam as praias
de
novo: pressurosos percorrem areais ignorados
homens
alquebrados pelo trabalho, delicadas donzelas
e
pacíficos meninos. Oh! Se houvesse algum modo
de
escapar às fauces cruéis! Mas já o feroz inimigo
lhe
corre ao encalço e enche as praias de hórridos brados,
insultando
aos desgraçados. Já voam setas de longe
e
trespassam, sem dó nem piedade, ora uns, ora outros.
Os
golpes destroçam a pobre multidão indefesa:
como
quando lobos dos montes se abatem sobre um rebanho
de
mansas ovelhas: lá vão horrendos, pungidos da fome,
ameaçando
mortes; os cruéis dentes se fincam nas goelas das vítimas, rasgam e sugam o
sangue e devastam com muitas mortes a grei inocente.
Chegam
por fim a um rio de leito profundo
que
lhes barra o caminho. De um lado as águas os cercam,
do
outro, em transporte de fúria cruel, o inimigo os ataca.
Começa
a matança: a estes mil setas varam o peito
todo
ensanguentado, àqueles o tacape parte a cabeça,
a
outros o ferro da espada rasga as entranhas.
O
chão estremece ao baque dos corpos feridos,
e
o sangue em borbotões tinge as brancas areais.
Oh!
quem conteria as lágrimas, quem do fundo do peito
não
arrancaria gemidos, ao ver morrer as donzelas
de
morte ignóbil. Cruéis despedaçam com golpes ferozes
os
delicados corpos, fincam-lhe paus sem pudor nem respeito,
e
assim as arrastam com fúria pelas praias bravias.
Espetáculo
infame e indigno de ver-se! Que sentimento
experimentaste,
malvado, ao perpetrar tais crueldades?
Que
ódio penetrou teu coração feroz ao trespassares
tenras
carnes com paus agudos agudos, ó sanguinário?
(...)
[A MORTE DO BISPO]
Corre
o Bispo para a úmida praia
e,
caindo, seus joelhos cansados se afundam na areia.
Ergue
mil preces ao Pai celeste, e nos termos que pode,
assim
fala ao bando furioso: “sou eu, sou eu mesmo
o
grande abaré! Porque procurais dar-me a morte?”
mas
que suspiros lhes dobrariam os loucos intentos,
que
queixumes ou lagrimas? Seria mais fácil
comover
leões da África ou leopardos ferozes
do
que com rios de prantos dobrar esses selvagens
acostumados
a fartar o ventre com carnes humanas.
Assim
clama ele em vão, ajoelhado na praia.
Rápido,
vem-lhe ao encontro, pela parte contrária
o
desalmado inimigo, de espada em punho. Cego de raiva,
com
a foice recurva lhe fende pelo meio a cabeça,
afeiando
a fronte ungida, com ferida de morte:
ele
caindo forma na margem vasta mancha de sangue.
Os
membros todos lhe desfalecem aos poucos: em breve
espetáculo
lastimável, exala o derradeiro suspiro.
Foi
este o fim do grande Prelado, quem por primeiro
regeu
as plagas brasílicas, de báculo, mitra e tiara.
Glorioso
outrora, ei-lo estendido na margem do rio,
cadáver
inundado de sangue, e, ó cena horrível!
Todo
despido, todo ferido, sem a paz do sepulcro.
Assim
o braço impiedoso deu morte infamante
a
muitas vidas, juncou a terra de cristãos, imolados
cruamente,
banhando as praias com sangue inocente.
ANCHIETA,
José de. De Gestis mendi de Saa [Os
feitos de Mem de Sá]. São Paulo: Loyola, 1986, p. Livro II, p. 187-193.
A contadora Denize Santiago (SUBPAC) compartilhou um trecho do romance de José de Alencar, O Guarani (1857), obra que inspirou Horácio Hora a fazer o seu belo quadro Peri e Ceci em 1882.
Peri e Ceci (1882) é uma das obras de Horácio Hora expostas no MHS |
O GUARANI (1857)
José
de Alencar
(...)
Quando
o sol, erguendo-se no horizonte, iluminou os campos, um montão de ruínas cobria as margens do
Paquequer. Grandes lascas de rochedos, talhadas de um golpe e semeadas pelo
campo, pareciam ter saltado do malho gigantesco de Novos Ciclopes. A eminência
sobre a qual estava situada a casa tinha desaparecido, e no seu lugar via-se
apenas uma larga fenda semelhante à cratera de algum vulcão subterrâneo.(...)
Quem
plainasse nesse momento sobre aquela solidão, e lançasse os olhos pelos vastos
horizontes que se abriam em torno, se a vista pudesse devassar a distancia de
muitas léguas, veria ao longe, na larga esteira do Paraíba, passar rapidamente
uma forma vaga e indecisa. Era a canoa de Peri, que impelida pelo remo e pela
viração da manhã corria com uma velocidade espantosa, semelhando uma sombra a
fugir das primeiras claridades do dia.
Toda a
noite o índio tinha remado sem descansar um momento; não ignorava que D.
Antônio de Mariz na sua terrível vingança havia exterminado a tribo dos
Aimorés, mas desejava apartar-se do teatro da catástrofe, e aproximar-se dos
seus campos nativos. Não era o sentimento da pátria, sempre tão poderoso no
coração do homem; não era o desejo de ver sua cabana reclinada à beira do rio e
abraçar sua mãe e seus irmãos, que dominava sua alma nesse momento e lhe dava
esse ardor.
Era sim a
idéia de que ia salvar sua senhora e cumprir o juramento que tinha feito ao
velho fidalgo; era o sentimento de orgulho que se apoderava dele, pensando que
bastava a sua coragem e a sua força para vencer todos os obstáculos, e realizar
a missão de que se havia encarregado.
Quando o
sol, no meio de sua carreira, lançava torrentes de luz sobre esse vasto
deserto, Peri sentiu que era tempo de abrigar Cecília dos raios abrasadores, e
fez a canoa abicar à beira do rio na sombra de uma ramagem de árvores.
A menina
envolta na sua manta de seda, com a cabeça apoiada sobre a proa do barquinho,
dormia ainda o mesmo sono tranqüilo da véspera; as cores tinham voltado, e sob
a alvura transparente de sua pele brilhavam esses tons cor-de-rosa, esse
colorido suave, que só a natureza, artista sublime, sabe criar.
Peri
tomou a canoa nos seus braços, como se fora um berço mimoso, e deitou-a sobre a
relva que cobria a margem do rio; depois sentou-se ao lado, e com os olhos
fitos em Cecília, esperou que ela saísse desse sono prolongado que começava a
inquietá-lo. Tremia lembrando-se da dor que sua senhora ia sentir quando
soubesse a desgraça de que ele fora testemunha na véspera; e não se achava com
forças de responder ao primeiro olhar de surpresa que a menina lançaria em
torno de si, logo que despertasse no meio do deserto.
(...)
O índio
fez a canoa boiar sobre as águas do rio, e quando tomou a menina nos seus
braços para deitá-la no barquinho, ela sentiu pela primeira vez na sua vida que
o coração de Peri palpitava sobre o seu seio.
A tarde
estava soberba; os raios do sol no ocaso, filtrando por entre as folhas das
árvores, douravam as flores alvas que cresciam pela beira do rio. As rolas
começavam a soltar os seus arrulhos no fundo da floresta; e a brisa, que
passava ainda tépida das exalações da terra, vinha impregnada de aromas
silvestres. A canoa resvalou pela flor da água como uma garça ligeira levada
pela correnteza do rio.
Peri
remava sentado na proa. Cecília, deitada no fundo, meio apoiada sobre uma
alcatifa de folhas que Peri tinha arranjado, engolfava-se nos seus pensamentos,
e aspirava as emanações suaves e perfumadas das plantas, e a frescura do ar e
das águas. Quando os seus olhos encontravam os de Peri, os longos cílios
desciam ocultando um momento o seu olhar doce e triste.
A noite
estava serena. A canoa, vogando sobre as águas do rio, abria essas flores de
espuma, que brilham um momento à luz das estrelas, e se desfazem como o sorriso
da mulher. A brisa tinha escasseado; e a natureza adormecida respirava a calma
tépida e perfumada das noites americanas, tão cheias de enlevo e encanto. A
viagem fora silenciosa: essas duas criaturas abandonadas no meio do deserto,
sós em face da natureza, emudeciam, como se temessem despertar o eco profundo
da solidão.
ALENCAR, José de. O Guarani. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958.
ALENCAR, José de. O Guarani. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro, 1958.
Kleckstane Farias (IPHAN - São Cristóvão) Contadora |
A
contadora Kleckstane Farias (IPHAN) fez a leitura da lenda de Serigy, contada
por Severiano Cardoso em 1907.
Severiano Cardoso recontou lendas sergipanas |
SERIGY
Agarrada
a crista da Serra de Itabaiana, como um ninho de gaivota, havia em tempos
remotos uma rala palhoça de palmas verdes de coqueiro e ouricuris, onde viviam
Serigy e Bahia, esse casal lendário de bravos indígenas.
Serigy,
tipo masculino e impetuoso, vastos e grandes cabelos castanhos, olhos vivos de
brasa, testa vasta e muito saliente, cabeça erguida e de bom tamanho, indomável
na vontade e forte nos combates. Era um bravo e simpático caboclo.
Bahia,
era uma bela selvagem, seios tesos, longos cabelos negros, amorosa nos jeitos e
boa índole; amava doidamente a Serigy. Amavam-se pelas ardentias dos verões
sergipanos, sob o cocada do coqueiral imenso, à sombra deliciosa dos glaucos
canaviais bravios, mirando-se as vezes no espelho das fulgidas correntes
murmurantes, outras vezes correndo às doiradas praias do mar.
Viviam
contentes na sua bárbara felicidade, no erro inspirador das matas, pelo
espinhoça das montanhas e pela sombra dos vales úmidos e floridos; nas noites
de luar, como devia de ser bom ouvir-lhes deferir as maviosas trovas pelas
subidas dos morros e pelas areias dos campos!
Assim
passavam; e, quando cansados de vaguear entre o São Francisco e o rio Real,
pousavam na palha da serra, então celebravam os idílios de seus felizes e
profundíssimos amores.
Tiveram
certo dia uma filha, primeiro fruto de sua amizade, e a qual chamou-se
Cotinguiba. Idolatravam-na fanaticamente.
Certa
vez, desceram eles as beiras do mar, deixando a sós a pequerrucha.
E
eis, que veio uma grande Águia Real, raptou-a, indo entrangulá-la distante,
sobre as barrancas de lamaçal que hoje tem seu nome. Quando os pais voltaram
não a encontrou mais, nem ao menos vestígios da adorada selvagenzinha, foi um
quadro que não se pode debochar: ambos soluçaram, gritaram, banharam-se em
lágrimas, e, como loucos, batiam com as cabeças de encontro as árvores e as
pedras, Já não cantavam para eles o sabiá, nem a patativa meiga trinavam sobre
fronde cheirosas das ramarias em flor. Toda a alegria da sua vida, agora
virara-se em luto, desolação e tristeza. Debalde erraram por montes e vales;
debalde, tudo debalde!... Eis se não quando, já desenganados de toma-la a ver,
se lhes deparou às vistas alucinados o corpo defunto e estraçalhado da vítima
inocente, velado pela majestosa Águia Real.
Serigy
atirou-se como um leão audacioso rapace; mas foi baldado o esforço da vingança;
a ave soberana levantou vôo, e, asas panda da imensidão do espaço, desapareceu
em breve como um ponto negro para além das nuvens... Em vão assobiaram rompendo
os ares as setas velozes de duas aljavas; em vão esticaram mil vezes as cordas
vibrantes de dois arcos destemidos e vitoriosos; em vão! A Águia a partiu de
encontro ao globo do sol...
O
cadáver de Contiguiba foi sepultado na correnteza do rio a qual deu nome;
Serigy, tresloucado pela dor do sinistro acontecimento, ao voltar a Crista da
serra incendiou a palhoça; e, depois de um dia de sepulcral mudez ao nascer da
lua cheia, varou o coração uma flexa [despencando-se] pela chanfradura da
rocha...
Bahia,
partiu-se errante em busca de outras plagas onde criou uma nova tribo, com a
qual pretendeu apossar-se das plagas onde jazem os restos dos seus estremecidos
finados...
E
assim foi a história de Serigy.
Luiz Alberto dos Santos foi homenageado |
O Cacique
Apolônio Xocó é embaixador do seu povo que vive na Ilha e São Pedro, em Porto
da Folha, no interior de Sergipe. Ele coordena o programa “A voz do Índio” na
Rádio Aperipê AM, sempre às quartas-feiras, a partir das 8:00 da manhã. Nosso
convidado coordenou as homenagens ao saudoso Professor Luiz Alberto dos Santos,
falecido no dia 12 de abril. Juntamente com os professores Beatriz Góis Dantas,
Fernando Lins e Hélia Maria de Paula Barreto, o professor Luiz Alberto contribuiu com pesquisa no processo de reconhecimento
das terras do único remanescente indígena de nosso estado, entre 1979/1984.
Cacique Apôlonio falou do seu povo, tradição e recitou poesia |
O MARACÁ
Cacique Apôlonio
Quase sem
vida, sentir mãos me tocar
Passos me
carregavam, não sabia para qual lugar.
Uma
simples cabaça eu era
Aos
poucos começou o transformar
Em meu
corpo fizeram atravessar
Tiraram
as minhas sementes
Para
emitir um som
Colocaram
outras no lugar.
Quando eu
pensei que estava morrendo
É que
pude perceber
Que o
processo pelo qual estava passando
Era para
sobreviver.
Eu sou
uma vez que chama, grita e chama
Fui
nomeado por maracá
Criado
para cantar.
Hoje sou
instrumento
Cheio de
força e poder
O meu som
é um pedido
Peço eu o
meu povo fiquei unido
Para a
cultura não morrer
Sou
tocado por cacique e pajé
Transmito
força e segurança
Aos
índios guerreiros,
Quando
dançam o toré
Ei, sim!!
Eu sou maracá!
Canto
tanto, quanto sabiá
E peço
que todos reflitam
Índios
unidos são guerreiros
jamais
serão vencidos.
Riso França contribuiu na recitação de poesias |
Riso
França declamou poesia do índio Xokó Nilo Acássio.
DE POUCO
EM POUCO, MUITO AINDA SERÁ POUCO
Nilo
Acássio Xokó
Xokó
Chegou a
hora
Do nosso
compromisso,
Vamos
todos nos juntar
Pois o nosso
planeta
Está em
risco.
Destruir
rios e florestas,
Aumenta a
poluição
Estamos
cavando a nossa cova,
E
destruindo uma nação.
Se o
desmate continuar,
Em poucos
anos a metade
Do rio
irá secar.
Será um
grande tormento,
Também,
um grande lamento,
Por água
irão guerrear.
Lá vem a
grande força,
Dos rios
junto com o mar,
Fazendo
uma só corrente,
Onde o
mal não pode passar.
Quanto ao
Xokó, exemplos
De como
devemos reinar.
Chico Buchinho declamou poesia |
João Francisco,
popular Chico Buchinho, prestou homenagens ao amigo Luiz Alberto. O Secretário
Articulação Politica e Movimentos Sociais é poeta e brindou os presentes com os
versos de “Índio Postal”, trabalho ilustra um dos livros da antropóloga Beatriz
Góis Dantas, grande estudiosa do tema indígena em nosso Estado.
ÍNDIO
POSTAL
João Francisco
Quando
ele nasceu para o branco
Já tinha
apito
Pena no
peito
E um
jeito de andar
Como índio.
Foi
pensando ser irmão do branco
Que sua
mão em punho
Levantou-se
E lhe
caiu dos olhos
A
primeira lágrima.
E logo
cedo apareceu mais branco
Com
pimenta e gravata
Lhe
vestindo a alma
E
purificando a sombra
De suas
orações.
Não foi
só Sepé que viu o branco
Nem Tuxá,
Xokó, Xukuru,
Kariri,
Tupi ou Cambiwá
E não era
somente de semente
Que seus
frutos serviam para amar.
Quando ia
um vinha outro branco
Caravelas
e botas navegando
Todos
eles queriam ser da raça
E da taça
do sangue
Iam
provando.
Era ter
um escravo tinha um branco
Que o
índio queria “atrapalhar”
Trabalhar
como preto
Não
queria
Era
sempre o branco que dizia.
Ficou
negro e caboclo com o branco
Pele de
sol
Gosto de
aracá
Maionese,
goiaba, acarajé,
Oxum com
Cristo e Pajé.
Fez-se o
verde/amarelo junto ao branco
Com
flores até resplandecer
De
República azul
Cor de
estrelas
Bandeira
para se enxugar
O índio
postal saiu do branco
Das
trevas sem aldeia
Flecha e
arco
E foi
para a cidade
Guerrear.
Quando
ele morreu para o branco
Não tinha
apito
Nem pena
no peito
E já
tinha jeito de andar
Como
branco.
Vania Correia leu poesia de Luiz Alberto |
Em nome de todos os presentes, Vania Correia fez a leitura de uma poesia de Luiz Alberto. Depois compartilhou trechos da carta que o Cacique Seatlle, da tribo Suquamish, teria endereçado ao presidente do EUA, Franklin Pierce, em 1855, como resposta a oferta de compra de terras indígenas. Apesar da polêmica em torno da sua veracidade, o documento permanece como um belo e esclarecedor poema acerca da preservação do meio ambiente.
"O grande chefe de Washington
mandou dizer que quer comprar a nossa terra. O grande chefe
assegurou-nos também da sua amizade e benevolência. Isto é gentil
de sua parte, pois sabemos que ele não necessita da nossa amizade.
Nós vamos pensar na sua oferta, pois sabemos que se não o fizermos,
o homem branco virá com armas e tomará a nossa terra. O grande
chefe de Washington pode acreditar no que o chefe Seattle diz com a
mesma certeza com que nossos irmãos brancos podem confiar na mudança
das estações do ano. Minha palavra é como as estrelas, elas não
empalidecem.
Como pode-se comprar ou vender o céu,
o calor da terra? Tal idéia é estranha. Nós não somos donos da
pureza do ar ou do brilho da água. Como pode então comprá-los de
nós? Decidimos apenas sobre as coisas do nosso tempo. Toda esta
terra é sagrada para o meu povo. Cada folha reluzente, todas as
praias de areia, cada véu de neblina nas florestas escuras, cada
clareira e todos os insetos a zumbir são sagrados nas tradições e
na crença do meu povo.
Sabemos que o homem branco não
compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é
igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba
da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua
amiga, e depois de exaurí-la ele vai embora. Deixa para trás o
túmulo de seu pai sem remorsos. Rouba a terra de seus filhos, nada
respeita. Esquece os antepassados e os direitos dos filhos. Sua
ganância empobrece a terra e deixa atrás de si os desertos. Suas
cidades são um tormento para os olhos do homem vermelho, mas talvez
seja assim por ser o homem vermelho um selvagem que nada compreende.
Não se pode encontrar paz nas
cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar
da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos. Talvez por
ser um selvagem que nada entende, o barulho das cidades é terrível
para os meus ouvidos. E que espécie de vida é aquela em que o homem
não pode ouvir a voz do corvo noturno ou a conversa dos sapos no
brejo à noite? Um índio prefere o suave sussurro do vento sobre o
espelho d'água e o próprio cheiro do vento, purificado pela chuva
do meio-dia e com aroma de pinho. O ar é precioso para o homem
vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar, animais,
árvores, homens. Não parece que o homem branco se importe com o ar
que respira. Como um moribundo, ele é insensível ao mau cheiro.
Se eu me decidir a aceitar, imporei
uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem
seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de
outra forma. Vi milhares de bisões apodrecendo nas pradarias
abandonados pelo homem branco que os abatia a tiros disparados do
trem. Sou um selvagem e não compreendo como um fumegante cavalo de
ferro possa ser mais valioso que um bisão, que nós, peles vermelhas
matamos apenas para sustentar a nossa própria vida. O que é o homem
sem os animais? Se todos os animais acabassem os homens morreriam de
solidão espiritual, porque tudo quanto acontece aos animais pode
também afetar os homens. Tudo quanto fere a terra, fere também os
filhos da terra.
Os nossos filhos viram os pais
humilhados na derrota. Os nossos guerreiros sucumbem sob o peso da
vergonha. E depois da derrota passam o tempo em ócio e envenenam seu
corpo com alimentos adocicados e bebidas ardentes. Não tem grande
importância onde passaremos os nossos últimos dias. Eles não são
muitos. Mais algumas horas ou até mesmo alguns invernos e nenhum dos
filhos das grandes tribos que viveram nestas terras ou que tem
vagueado em pequenos bandos pelos bosques, sobrará para chorar,
sobre os túmulos, um povo que um dia foi tão poderoso e cheio de
confiança como o nosso.
De uma coisa sabemos, que o homem
branco talvez venha a um dia descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus.
Julga, talvez, que pode ser dono Dele da mesma maneira como deseja
possuir a nossa terra. Mas não pode. Ele é Deus de todos. E quer
bem da mesma maneira ao homem vermelho como ao branco. A terra é
amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar desprezo pelo
Criador. O homem branco também vai desaparecer, talvez mais depressa
do que as outras raças. Continua sujando a sua própria cama e há
de morrer, uma noite, sufocado nos seus próprios dejetos. Depois de
abatido o último bisão e domados todos os cavalos selvagens, quando
as matas misteriosas federem à gente, quando as colinas escarpadas
se encherem de fios que falam, onde ficarão então os sertões?
Terão acabado. E as águias? Terão ido embora. Restará dar adeus à
andorinha da torre e à caça; o fim da vida e o começo pela luta
pela sobrevivência.
Talvez compreendêssemos com que
sonha o homem branco se soubéssemos quais as esperanças transmite a
seus filhos nas longas noites de inverno, quais visões do futuro
oferecem para que possam ser formados os desejos do dia de amanhã.
Mas nós somos selvagens. Os sonhos do homem branco são ocultos para
nós. E por serem ocultos temos que escolher o nosso próprio
caminho. Se consentirmos na venda é para garantir as reservas que
nos prometeste. Lá talvez possamos viver os nossos últimos dias
como desejamos. Depois que o último homem vermelho tiver partido e a
sua lembrança não passar da sombra de uma nuvem a pairar acima das
pradarias, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e
praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do
coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós
a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. Nunca esqueça como
era a terra quando dela tomou posse. E com toda a sua força, o seu
poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e
ama-a como Deus nos ama a todos. Uma coisa sabemos: o nosso Deus é o
mesmo Deus. Esta terra é querida por Ele. Nem mesmo o homem branco
pode evitar o nosso destino comum."
MUSEU HISTÓRICO DE SERGIPE, 30 DE ABRIL
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