sábado, 8 de setembro de 2012

LAMPIÃO: bandido, herói e outros adjetivos

Lampião, xilogravura de Nivaldo Oliveira compõe exposição do MHS

Thiago Fragata*



O cangaço influenciou boa parte dos movimentos sociais que pontificaram o Brasil no século XX. No século XXI o fato se renova, a insinuação da homossexualidade de Lampião constitui um bom exemplo porque atrelar qualquer tema ao cangaço ou buscar inspiração nele significa atrair público, a opinião pública.  

O fato é que ninguém consegue ficar alheio ao cangaço e seu maior representante, o afamado Virgulino Ferreira da Silva, apelidado Lampião. Já em 1937, Jorge Amado inseriu na sua obra Capitães da Areia uma importante observação: “porque a população dos cinco estados, de Bahia, Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Sergipe, vive com os olhos fitos em Lampião. Com ódio e com amor, nunca com indiferença”. Acrescentaria Ceará e Rio Grande do Norte.

Nos dias atuais vemos estudiosos apaixonados pelo exemplo de resistência ao mandonismo dos coronéis e desenvoltura perante as adversidades do sertão nordestino. A saga lampiônica começou em 1918 e findou na Grota de Angicos, Poço Redondo, em 1938, somando 20 anos de ataques, fugas e revides. Invariavelmente, figuram adjetivos nas obras em geral que tematizam o cangaço, mesmo trabalhos acadêmicos com foros de imparcialidade, que desvelam um olhar engajado. Se no meio acadêmico o cangaço tem seus mais ardorosos simpatizantes, com raríssimas exceções, imagina no seio das populações que conviveram e tiveram experiência positivas ou negativas.

A discussão bandido ou herói dividiu e divide a sociedade. Folheando alguns livros recolhemos expressões curiosas e/ou adjetivos que representam opiniões. Vejamos repertório de Frederico Bezerra Maciel, legítimo representante dos defensores da missão divina e heroica de Virgulino Ferreira da Silva:

Rei do cangaço, Senhor absoluto do sertão, Sua Majestade Lampião, Imperador do Sertão, Rei do Norte, Governador Lampião, Hobin Hood do Nordeste, Interventor do Sertão, Sinhô Lampião, Gênio em tudo, Homem de palavra, Justiceiro, O mesmo [para Bahia] o que fora Padre Cicero para Juazeiro, Ídolo de todos, Invulnerável, Invencível, Eterno, Lampião era o povo, Símbolo das reivindicações sociais, O sertão ínterim, Libertador dos homens explorados do sertão imenso, Paterno e dócil na intimidade, napoleonicamente enérgico no comando, Maior guerrilheiro das Américas, Portador de uma luz de inteligência superior, penetrando até os domínios da cultura, dentre outros.

Por outro lado, minoria de estudiosos renitentes, ora estribado no argumento da legalidade, do Estado de direito, ora afetado pelas estripulias praticadas por Lampião e seus asseclas contra populações indefesas, enfileiram acusações e adjetivos contundentes contra o vilão. Para pesquisadores como Frederico Pernambucanos de Mello e Rodrigues de Carvalho a completa definição de Lampião inclui os termos:

 “Criminoso, truculento celerado, bandido sem ética, alienado mental, nocivo, rapace por cleptomania, sadicamente perverso, imoral currador dos infelizes sertanejos, taciturno caolho, refece profissional, tenebroso celerado, avarento, corruptor das famílias, anjinho de asa de morcego, carne de pescoço infernal, catingueiro e sagaz, soturno sicário, miserável refece, terrível sicário, ardiloso sicário semi-analfabeto, espírito de porco espinho, demônio de sagacidade e esperteza, facínora destituído de humanidade, lombrosiano”, dentre outros adjetivos.

No universo da literatura de cordel é recorrente o tema cangaço. Não é difícil encontrar os títulos referente a chegada de Lampião no céu, no inferno e mesmo ao purgatório. Declara Maria Ângela de Faria Grillo que nos cordéis “as representações sobre cangaceiros diferem das encontradas nos livros didáticos o na literatura oficial. Quase sempre tratados como bandidos nestes espaços, nos cordéis são, pelo menos, mais contraditórios”, ou seja, são assassinos mas são românticos, roubam mas ajudam os pobres, enfim, possuem carga heroica.


Lampião dos cordéis mantém traço heróico e contraditório
Numa rápida leitura de A chegada de Lampião no Céu (s/d), de Rodolfo Coelho Cavalcante; de A chegada de Lampião no inferno, de José Pacheco, e A Chegada de Lampião no purgatório (s/d), de Luiz Gonzaga de Lima (1981) captamos a impressão a respeito da polêmica bandido x herói. Lampião retratado por Rodolfo Coelho Cavalcante não merece entrar no céu por isso é mandado ao purgatório. Daí foi expulso por São Miguel, segundo verso de Luiz Gonzaga de Lima. No inferno não ficou, agora expulso por Lúcifer, desde então vaga pelos sertões feito alma penada a soprar estórias e inspirando arte popular nordestina, tudo para não deixar o Brasil esquecer o cangaço.

 
Lampião é o herói-bandido dos cordéis

*Thiago Fragata – pesquisador, especialista em História Cultural pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS/SECULT). Matéria especial para o blog do Museu Histórico de Sergipe e sua exposição “Cangaço: por dentro do emborná e na ponta do punhá” (22 de agosto a 22 de setembro de 2012).E-mail: thiagofragata@gmail.com

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. 86ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
CARVALHO, Rodrigues de. Lampião e a sociologia do cangaço. Rio de Janeiro: Gráfica Editora do Livro, 1976.
CAVALCANTE, Rodolfo Coelho. A chegada de Lampião no céu. São Paulo: Editora Luzeiro, SD. (Literatura de cordel)
GRILLO, Maria Ângela de Faria. História em verso e reverso. Revista de História da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, ano 2, N. 13, out. 2006, p. 82-85.
LIMA, Luiz Gonzaga de. A chegada de Lampião no purgatório. São Paulo: Editora Luzeiro, 1981 (Literatura de cordel)
MACIEL, Frederico Bezerra. Lampião, seu tempo e seu reinado. 2ª edição. Ed. Vozes. Petrópolis, 1982.
MELLO, Frederico Pernambucano. Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste Brasileiro. Recife: Massangana/Girafa, 2004
PACHECO, José. A chegada de Lampião no inferno.  São Paulo: Editora Luzeiro, SD. (Literatura de cordel)

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