segunda-feira, 7 de maio de 2012

Freire Ribeiro e a cidade musa-museu

Freire Ribeiro, crayon de Florival Santos, SD
Acervo do MHS


Thiago Fragata*

O poeta João Freire Ribeiro nasceu em Aracaju em 4 de setembro de 1911 e faleceu em 24 de janeiro de 1975. Foi durante anos o diretor técnico da Biblioteca Pública Epifanio Dória.[1] Freqüentou São Cristóvão a partir da década de 1950 incentivado pelos amigos José Calasans, Lauro Barreto Fontes, agente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e do sancristovense José Augusto Garcez.

Tinha na cidade colonial um elo sentimental que união o poeta a sua musa. Confessava que a cidade respirava poesia e chegava a dormir em seus templos a fazer boemia pelas ruas e praças a espera da inspiração. “O vate amou e exaltou a velha cidade”, reconheceu Arivaldo Fontes, não por acaso doou acervo para compor o Museu Histórico de Sergipe e dedicou-lhe a obra São Cristóvão de Sergipe D’El Rei, publicado em 1971.[2] A poesia “Museu”, dedicada ao Governador Luiz Garcia, emoldura as páginas que merecem reedição.


MUSEU



Penetro o Museu
No belo Palácio!...
Bagnuolo me fala
De luta sangrenta
Que a História aviventa!

Feroz mortandade
As tropas de Holanda
Brigando nas ruas
Da nobre cidade!
Labatut, vai comigo...
Brigadeiros, barões!...
Dom Pedro Segundo
Outrora bailando
De barbas bem loiras,
Nos grandes salões!

Esculturas em pedra
- tesouros achados
Na terra enterrados
Num velho convento,
- ruína sagrada,
Sem frades, sem santos,
No templo ultrajado!

Cadeirinha mimosa...
Onde negros escravos
Chegados do Congo?
Cadeirinha saudosa
De linda Senhora,
De langue Donzela
De cor duma estrela
Nas montras da aurora!

Brazão esplendente
Brasil refulgente
Aos olhos do mundo
Nos fastos do Império
Com Pedro Segundo!

Um Cristo, obra-prima.
- imagem sombria
Sem braços, penando,
Em chagas sangrando
Numa imensa agonia!

A tarde, lá fora,
Em luz se desfaz:
São Cristóvão é um ninho
De sonho e de paz!...

Cachimbos, taieiras,
Ferrenhos punhais
Dos cãibras do Norte
Instrumentos terríveis
De cenas de morte!

Canhões de outras eras
Com limos de glória,
Dormindo, caducos,
Nas noites da História!

Pistolas, espadas
Mil bravos lembrando
Cocares e bestas
Com arcos de índios
Nas paredes pousando!

Horácio, presente
Nos quadros eternos
Da nossa pintura!

Cenário ameríndio:
Em tela gigante
Cecília dormindo
Em selvagem piroga,
Em doce postura
À sombra do índio!

Régias camas vazias
Com lindos brocados,
Recordando mil noites
Com corpos amados!...

A cama é um ninho,
Uma breve pousada
Do corpo que espera
A viagem do nada!...

Num pátio mouruno
Do lindo Palácio
Revejo, sonhando,
Pepita Tangil,
Uma flor espanhola
Em desterro morrendo
Em Sergipe, Brasil!

Espanha presente
No belo Palácio
Mouruna gitana
Aparece aos meus olhos!
Vem com flor e mantilha
Bailando ao compasso
De flauta encantada
Solando a saudade
Da Arábia em Sevilha!...

As sombras me falam,
Os mortos me chamam!
A tarde é lá fora
Em sanguínea agonia
Uma rosa dorida!
O Palácio está cheio
De vultos fugidos
Das cenas da vida!

A vida, me chama!
São Cristóvão cintila
Num lindo poente
De púrpura e ouro
Na tarde tranqüila!

Adeus, São Cristóvão!

Adeus, Bebe-Água!
Visão aparece
À luz dos meus olhos,
De barbas ao vento:
Frei Luiz do Rosário
Olhando a cidade
Dum velho Convento!

Um sino plangendo
No bojo da tarde,
Meu sonho desfaz!

Um sino, que brônzeo
No tempo, soletra
Os nomes queridos
Dos mortos, vivendo
Nos Reinos da Paz![3]



*Thiago Fragata é graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em História Cultural pela mesma universidade, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), membro do Grupo de Estudos História Popular do Nordeste (GEHPN/CNPq) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com
NOTAS
[1] BRASIL, Assis (org.). A poesia sergipana no século XX: antologia. Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: SEED/SE, 1998, p. 74.  
[2] FONTES, Arivaldo Silveira. Freire Ribeiro e São Cristóvão. __. In: Figuras e fatos de Sergipe. Porto Alegre: Ed. CFP SENAI, 1992, p. 36.
[3] RIBEIRO, João Freire. São Cristóvão de Sergipe D’El Rey (Poesias), S/Ed, 1971, p. 21-25.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Não publicaremos mensagens de anônimos e textos de conteúdo ofensivo, preconceituoso, que em nada possa contribuir para o conhecimento.