Luis Garcia, em seu governo foi criado o Museu Histórico de Sergipe (3/5/1960) |
Thiago Fragata*
I
- O SOBRADO[1]
No dia 5 de março de 2010, o Museu Histórico de Sergipe completou 50 anos de existência.
Meio século de vida, no caso em tela de atividades, de avanços e retrocessos,
suscita reflexões além da festa programada pelo Governo do Estado, através da
Secretaria Estadual de Cultura. Nesse sentido minha contribuição, de
pesquisador, ora revelada e ainda incipiente, pretende compor a trajetória do
prédio, citar idealizadores e benfeitores desta importante instituição museal.
Prédio e
acervo do Museu Histórico de Sergipe remontam o século XVIII. Naquele contexto
de um Brasil Colonial a economia canavieira galgara pico de produção e o
mercado exterior favorecendo o embelezamento de conventos e igrejas. Boa parte
dos sobrados existentes no centro histórico de São Cristóvão, sede da então
Capitania de Sergipe d’El Rey, serviam a administração ou moradia de burocratas
e veraneio de abastados senhores de engenho da zona do Cotinguiba e/ou do Vaza
Barris. Este não era o caso do proprietário do sobrado localizado a praça São
Francisco de São Cristóvão, o tenente Domingos Rodrigues Vieira de Melo, um
militar.
A
Emancipação Política de Sergipe da Bahia, em 1820, ocasionou a crescente
necessidade de compra e disponibilidade de prédios para administração. Disso
resultou a compra do sobrado ao militar no ano de 1823. Incorporado aos
próprios nacionais o prédio foi reedificado e inaugurado em 12 de outubro de
1825, na gestão do Presidente (Governador) Manuel Clemente Cavalcante de
Albuquerque, como parte das comemorações das Festas Nacionais em homenagem ao
aniversário de Sua Majestade D. Pedro I e à Fundação do Império.[2]
Com
acentuada tendência liberal, Manuel Clemente governou durante 20 meses,
impingindo medidas inovadoras e alheio aos embates políticos. Dentre as
principais medidas constam a fundação de um jardim botânico para centro de
apoio a agricultura; organização da “Casa do Trem” com instrutor para formar
trabalhadores de artes e ofícios manuais, ampliação do efetivo militar e
introdução de método lancasteriano na educação da Província.[3]
Sua morte repentina, no dia 2 de novembro de 1826, consternou a todos. Como ele
havia manifestado o desejo de ser enterrado “numa das igrejas da cidade”, foi inumado no chão do Convento São
Francisco.[4]
Em 1855, o
Palácio do Governo foi avaliado, com certo exagero, em 50:000$000 (cinqüenta
contos de réis), num momento em que os opositores a Mudança da Capital listava
o prejuízo aos cofres públicos com o ato de Inácio Joaquim Barbosa, então
Presidente da Província.[5]
Cinco anos
depois, em viagem pelo nordeste, o imperador Dom Pedro II conheceu Sergipe
entre os dias 4 e 19 de janeiro de 1860, na companhia da imperatriz Tereza
Cristina. O monarca visitou a ex-capital no dia 18 e foi homenageado no prédio
que servia de Câmara Municipal de Vereadores. Nele armou-se capela e sala de
despachos, teve beija-mão e dossel para o ilustre monarca.[6]
João
Bebe-Água, apelido do principal opositor a Mudança da Capital, foi vereador do
Partido Liberal e nessa condição freqüentou o vetusto monumento. Apesar dos
adjetivos impingidos pelos adversários políticos (louco, maltrapilho,
cachaceiro) João Nepomuceno Borges, seu nome de batismo, legou uma comovente
lição de amor a cidade de São Cristóvão. A promessa de guardar fogos para
estourar no dia do retorno da Capital e a jura de morrer sem conhecer Aracaju
romantiza seu incompreendido bairrismo quixotesco.
O Estado
comprou o prédio que pertencia a Fazenda Federal por 2:000$000 (dois contos de
réis), conforme escritura de compra e venda de 19 de março de 1918.[7]
Experimentou um período de completo abandono. Nas décadas de 1920 e 1930, nele
funcionou a delegacia da cidade. Em janeiro de 1940, durante gestão do prefeito
Antônio Silvio Bastos o antigo Palácio Provincial foi reformado para instalação
da Escola Barão de Mauá.[8]
Mas foi a Mesa de Rendas Federais (Exatoria) que aí permaneceu instalada
durante anos. Em 1951-1952, era sede do sindicato dos Operários de São
Cristóvão, com sala de jogos e salão de baile. O Grupo Escolar Vigário Barroso
ficou instalado durante reforma de sua sede.
Em 1960, no
dia 5 de março, foi inaugurado o Museu Histórico de Sergipe, no Governo de Luis
Garcia. Seu rico e diversificado acervo tem marca dos organizadores-curadores,
os irmãos Junot Silveira e Jenner Augusto. Mais falar dos idealizadores e
benfeitores é assunto para o próximo tópico.
II
- OS PIONEIROS[9]
José Augusto Garcez, pioneiro no campo da museologia |
Os 50 anos do Museu Histórico de Sergipe festejado em março (2010) não olvida os antecedentes. O Museu de História e Arte Popular, como foi anunciado em agosto de 1959, por Junot Silveira, lembrava o Museu Sergipano de Arte e Tradição criado por José Augusto Garcez em 1948.[10] Neste tópico falaremos do pioneirismo deste e de outros pesquisadores que influíram direta ou indiretamente na concepção do Museu Histórico de Sergipe.
José Augusto
Garcez nasceu em 1918, na Usina Escurial, em São Cristóvão. Iniciou seus
estudos secundários no Colégio Tobias Barreto, concluindo no Colégio Maristas,
em Salvador. Mais tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por
motivos de saúde, não chegou a concluir. Aos 20 anos o sancristovense era
colaborador em jornais de Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo.
Imbuído do
desejo de musealizar as raízes culturais de Sergipe, José Augusto Garcez
fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios, o Museu Sergipano de Arte e
Tradição, o qual foi detentor de um grande acervo referente à cultura material
de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas viagens pelo interior do
Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe passa a se destacar no
quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do
surgimento dos Museus de Arte Moderna.[11]
No Museu de
Arte e Tradição o intelectual preservou, pesquisou e comunicou o patrimônio
salvaguardado. Mesmo funcionando em um espaço inapropriado, o que limitava a
expografia e dava um aspecto de grande reserva técnica ou depósito, a
instituição cumpriu suas funções museais, conferindo-lhe destaque diante de sua
funcionalidade e sendo bastante visitado.
Atuando em
vários planos da Museologia, Garcez foi da prática à teoria com o seu livro Realidade
e Destino dos Museus, de 1958, sendo o responsável por uma obra pioneira de
análise crítica-comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado.
Diante do exposto, não havia como conceber o Museu de História e Arte Popular,
em 1959, que se concretizaria no ano seguinte com o nome de Museu de Sergipe.[12].
Dois nomes influenciaram na escolha do antigo Palácio Provincial de São Cristóvão para sediar a instituição museal: José Calasans Brandão da Silva e Lauro Barreto Fontes. O primeiro nascido em Aracaju (1915), professor, folclorista e renomado historiador da História de Aracaju e da Guerra de Canudos. O papel de José Calasans como primeiro agente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe foi relegado pelos pesquisadores da sua vida e obra, daí a grande dificuldade para escrever esse parágrafo. Somente numa entrevista concedida na Videoteca Aperipê Memória (TV Aperipê), em dezembro de 1993, Calasans depõe que junto com o engenheiro Lauro Barreto Fontes foi responsável “na preparação daquele museu de São Cristóvão”. Ele esclarece que parte do acervo que recolheu para o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe foi doado para compor a instituição. Em seguida o entrevistado afirma: “foi uma sugestão, de certo ponto, minha que levou o Luís Garcia a fazer àquele Museu”.
O engenheiro
Lauro Barreto Fontes era, coincidentemente, agente do Departamento do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe a época da inauguração do
Museu de Sergipe. A partir de um apelo seu e do amigo José Calasans junto ao
Governador de Sergipe Luis Garcia, em Ondina, Salvador, nos idos de fevereiro
ou março de 1959, este se convenceu a abraçar a idéia.[13]
Do encontro saíram Luis Garcia e seu Secretário de Governo, Junot Silveira,
convencidos da importância e viabilidade do projeto sugerido pelos
conterrâneos. Naquele ano, enquanto os jornais sergipanos anunciavam o futuro
Museu, Maria Thetis Nunes concluía o curso de Museologia, no Museu Imperial do
Rio de Janeiro, como aluna de Gustavo Dodt Barroso, considerado o “Pai da Museologia Brasileira”.[14]
Embora a professora Thetis, como era conhecida, não tenha desenvolvido
trabalhos na área - ela faleceu em setembro de 2009 e sequer foi pegar diploma
- o jornal A Cruzada chegou a anunciá-la como diretora do Museu
Histórico de Sergipe. Receber agradecimento de Junot Silveira, no dia da inauguração
do Museu Histórico de Sergipe (3/5/1960), endossa sua participação na obra.
Adiante dedicaremos atenção especial a Jenner Augusto. Focaremos sua vida, arte e o desafio de
organizar o Museu Histórico de Sergipe. Até porque não há como falar do passado
e presente desse museu sem considerar a determinação, a sensibilidade e o amor
que o artista aracajuano tinha pela instituição.
III - JUNOT SILVEIRA & JENNER
AUGUSTO[15]
Secretário de Governo, Junot Silveira, incentivou doações e avaliou acervos adquiridos |
Irmão de Junot Silveira, jornalista e secretário de Governo de Luis Garcia, Jenner Augusto foi convidado para repetir no seu Estado natal o que fizera pelo Museu da Arte da Bahia. Animado qual artista renascentista, deixou aquele Estado e encastelou-se no antigo Palácio Provincial com a mulher Luisa e seus filhos. Destacaremos nesse artigo o seu trabalho de restaurador, artista plástico e curador do Museu Histórico de Sergipe.
Os irmãos
nasceram em Sergipe, Junot em Estância, Jenner em Aracaju (1924). Filhos de
Maria Catarina e Augusto Esteves da Silveira. Ainda crianças conheceram São
Cristóvão, em 1926, onde a família morou até 1933. Em suas crônicas no jornal A
Tarde, da Bahia, já na década de 1990, Junot recordaria parte preciosa da
infância. Os irmãos aprenderam a ler na Escola das Irmãs da Imaculada Conceição
instalada no Convento do Carmo. Sua mãe, viúva à época, foi professora no Grupo
Escolar Vigário Barroso. Numa destas reminiscências, Junot enreda o antigo
Palácio da Província. Lembra que regularmente freqüentava o prédio para cortar
o cabelo com soldado Ezequiel ou para descontar “vale” de 10 mil réis da sua
mãe. É que o vetusto monumento servia de quartel, cadeia e exatoria.[16]
Além de São
Cristóvão a família residiu em Itabaianinha, Lagarto, Laranjeiras. Digressão a
parte, voltemos a 1959, quando Jenner pensa a obra desafiadora do Museu de
Sergipe e nos meios para concretizá-la. Empreende viagens ao interior, avalia
acervos, por vezes compra do seu bolso, vai a Salvador pedir o auxílio dos
amigos. Colaboradores de prontidão: Mario Cravo, Sanson Flexor, Caribé, Inimá
de Paula, Tereza d'Amico, João Garbogini Quaglia, Humberto Cerqueira e Marcelo
Glassman.[17]
Jenner Augusto, auto-retrato, 1981. Acervo MHS |
Mobílias,
cofres, esculturas, artes plásticas, medalhas, moedas e os mais diversos
artefatos, inclusive as ruínas de um antigo convento carmelita do século XVIII,
chegam para compor a exposição permanente concebida por Jenner Augusto. A outra
parte do acervo foi adquirida a expensas do Estado.
Além do
aporte técnico-financeiro garantido pelo Departamento de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (DPHAN, atual IPHAN), sob a presidência de Rodrigo Melo Franco de
Andrade, a obra legada pelo Governo de Luis Garcia, conheceu dois padrinhos que
não podem permanecer no limbo. Um é Lourival Fontes, sergipano de Riachão do
Dantas, senador. O outro é Lourival Baptista, deputado federal. Embora nascido
na Bahia, este começou sua vida política em São Cristóvão, em 1951, onde se
elegeu prefeito. Juntos, os parlamentares “consagraram
no Orçamento da União, uma verba de um milhão de cruzeiros para o Museu”.[19]
Numa simples
consulta ao livro de tombo do Museu Histórico de Sergipe, hoje, é possível
identificar o acervo recolhido em 1959 e 1960. O exercício é importante para
melhor compreender o pensamento de Jenner Augusto, que mesmo depois de encerrado
o trabalho de curadoria virou benfeitor, doando obras do seu acervo particular.
A grande
descoberta desta incursão nos anos de 1959 e 1960, permite concluir: a) que
embora não se trate do primeiro museu criado no Estado, o Museu Histórico de
Sergipe, como atesta esse momento natalício, é o mais antigo; b) sua criação
envolveu um conjunto de atores, que num enredo de um ano (março de 1959 a março
de 1960) sonharam, trabalharam, patrocinaram, enfim, efetivaram a obra. Talvez
pela sua condição de artista, restaurador, benfeitor é justo relembrar um
parecer de Junot Silveira sobre o sentimento que unia seu irmão ao Museu
Histórico de Sergipe: “Ele fez tanto pelo
museu da velha capital que há pouco um jovem repórter divulgou ampla matéria,
afirmando que Jenner fincou pé em São Cristóvão para que o museu se fizesse...
outros também muito fizeram pela casa de cultura sergipana, embora nenhum
contasse com o entusiasmo de Jenner, o que não se pode negar. Mas o pintor
reconhece a sugestão de Lauro Barreto e de José Calasans, e do Governador
Garcia, de empresários e trabalhadores, políticos e homens do povo, autoridades
e famílias sergipanas. Todos, quase sempre no seu silêncio, colaboraram com tão
boa vontade, como se fosse pedras grandes e pequenas, pedras lascadas e
polidas, que sob a argamassa do amor a Sergipe, fizeram do antigo Palácio
Imperial um inconfundível obra para os presentes e os futuros”.[20]
* Thiago Fragata é graduado
em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em
História Cultural pela mesma universidade, sócio efetivo do Instituto Histórico
e Geográfico de Sergipe (IHGSE), membro do Grupo de Estudos História Popular do
Nordeste (GEHPN/CNPq) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail:
thiagofragata@gmail.com
NOTAS DE PESQUISA
[1] FRAGATA, Thiago Fragata. Cinqüentenário do Museu Histórico de Sergipe: o
sobrado (I). JORNAL DA CIDADE.
Aracaju, ano XXXIX, N. 11.309, 28 e 29/03/2010, p. B-11.
[2]
NUNES Maria Thétis. História de Sergipe
a partir de 1820. Rio de Janeiro, Editora Cátedra, 1978, p. 113.
[3]
NUNES, Maria Thétis. Sergipe provincial.
Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000, p. 141, 151 e 154.
[4]
Testamento de Manoel Clemente Cavalcante de Albuquerque. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju,
ano II, n. 5, 1914, p. 131-132.
[5] Correio Sergipense. Papéis antigos. Revista do Aracaju. Aracaju, 1944, p.
265.
[6] GALVÃO, Manuel da Cunha. Viagem Imperial á
Província de Sergipe, ou narração dos preparativos, festejos e felicitações que
tiverão logar por occasião da visita que fizerão á mesma província, em janeiro
de 1860. Bahia: Typ. do Diário, 1860, p. 95.
[7]
Cartório do 1. Ofício da Comarca de Aracaju. Livro de Notas, fls. 57
a 59.
[8] Recibo de despesa. Tesouraria Arquivo da Prefeitura Municipal de São
Cristóvão, 04/12/1939-05/04/1940.
[9]
FRAGATA, Thiago Fragata; SANTOS, Cláudio de Jesus. Cinquentenário Do Museu
Histórico de Sergipe: os pioneiros (II). Jornal
da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, N. 11314, 4 e 5/4/2010, p. B-11.
[10] São Cristóvão, sede do Museu de Arte Popular. Correio de Aracaju. Aracaju, ano LII.
N. 6272, 29/08/1959, p. 4.
[12]
SANTOS, Cláudio de Jesus. José Augusto Garcez, precursor da museologia
sergipana. Jornal da Cidade.
Aracaju, 1/6/2009, p. B6.
[13]
SILVEIRA, Junot. O Museu de Sergipe. A
Tarde. Salvador, 27/2/1994, p. 5.
[14]
FRAGATA, Thiago. Thetis Nunes, museóloga sim! Divirta-se. Aracaju, ano 1, n. 6, nov. 2009, p. 19.
[15] FRAGATA, Thiago Fragata. Cinquentenário Do Museu
Histórico de Sergipe: Jenner Augusto (III). Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 11322, 14 de abril de
2010, p. B-6.
[16]
SILVEIRA, Junot. Uma teimosia. A Tarde.
Salvador, 09/7/1989, p. 5.
[17] Diário Oficial. Aracaju, ano XLI, 11/02/1960,
p. 2.
[20]
SILVEIRA, Junot. O Museu de Sergipe. A
Tarde. Salvador, 24/1/1993, p. 5.
Visitei o Museu em 22 de fevereiro de 2013 -antes de ontem. Estou escrevendo algo sobre essa visitae, quando postar, enviarei o link. Mas ainda estou encantada, principalmente com os quadros de Jenner Augusto e Horacio Hora.
ResponderExcluir