terça-feira, 15 de maio de 2012

Banda Sibberia gravou clip no MHS


Em 2010 a banda sergipana Sibberia conquistou prêmio num certame da TV Aperipê e manifestou interesse em gravar clip da música "Velhos Fantasmas" no sobrado do Museu Histórico de Sergipe. A idéia dos casarões mal-assombrados é recorrente nas cidades coloniais como São Cristóvão. Os fantasmas inspiram música, poesia, romance. Exemplo: obra ficcional de José Sacramento "O Encontro com outro", de 1982, faz alusão ao fantasma de Inacio Joaquim Barbosa, Presidente da Província de Sergipe, que vivia penando no antigo Palácio de Governo (atual MHS) por causa do decreto que assinou em prol da Mudança da Capital de São Cristóvão para Aracaju em 17 de março de 1855. Jorge Amado também citou os fantasmas de um outro casarão de São Cristóvão em seu romance "Cacau" (1933).

Voltando ao clip da Banda Sibberia, ele mostra um homem atormentado pelo fantasma da namorada que nas madrugadas figura nos quartos e salas do casarão secular. Perturbado pelas lembranças resolve então abandonar o lar e os objetos que o prendem ao passado.  

segunda-feira, 14 de maio de 2012

QUERO VISITAR O MHS!


Museu Histórico de Sergipe (MHS). Foto: Marcelle Cristinne (ASCOM/SECULT)

1 - ORIENTAÇÃO AO VISITANTES

Se você pretende visitar o Museu Histórico de Sergipe sozinho(a) ou com turma de até 15 pessoas não precisa agendar, compareça na recepção num dia de funcionamento (terça a domingo, das 10:00 às 16:00 horas) informe-se sobre condições de pagamento ou gratuidade da visita e saiba das recomendações que garantirá o acesso.

2 - ORIENTAÇÃO A COORDENAÇÃO DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR/ACADÊMICA VISITANTE

O Museu Histórico de Sergipe funciona de terça a domingo das 10:00 às 16:00 horas, em 2 turnos: Matutino (10:00 às 13:00 hs), Vespertino (13:00 às 16:00 hs), lembrando que não temos como atender mais de 100 alunos por turno, sendo nossa capacidade de 200 visitantes/dia. Não iremos ultrapassar essa margem de segurança pois ela garante um atendimento de qualidade.

Telefone e agende a visita, atente para os dias e horários de funcionamento do MHS, o número é (79) 3261-1435, o e-mail é museu.sergipe@cultura.se.gov.br ou museuhsergipe@gmail.com 

Se você é instituição pública ou projeto social, a visita é isenta: prepare ofício com papel timbrado do estabelecimento “solicitando isenção na visita de (quantificar) estudantes”.

Se você é instituição privada, cada participante, exceto o professor e coordenador, paga meia-entrada (R$ 2,50). Para facilitar o processo na recepção do Museu Histórico de Sergipe convém providenciar soma de visitantes antes de chegar a instituição. Assim enquanto um responsável presta contas na recepção toda a turma dirige-se ao auditório.  

2.1 - VALOR DA VISITA:
INTEIRA - R$ 5,00 (Cinco Reais)
MEIA-ENTRADA - R$ 2,50 (Dois reais e cinqüenta centavos)

2.2 - QUEM PAGA A VISITA
Turistas e visitantes em geral pagam inteira, estudante avulso paga meia-entrada.

2.3 - QUEM NÃO PAGA A VISITA (ISENTOS)
- Professores e coordenadores acompanhando instituições escolares, acadêmicas, projetos sociais;
- Idosos com mais de 60 anos, comprovado com algum documento;
- Munícipes da cidade de São Cristóvão, comprovando nascimento na RG ou conta de água, luz, telefone da sua residência;
- Crianças com menos de 12 anos;
- Deficientes físicos;
- Militares e professores mediante apresentação de documento comprobatório.

3 - RECOMENDAÇÕES AOS COORDENADORES DE TURMAS VISITANTES
Após uma rápida palestra no auditório para reforçar as recomendações abaixo, segue a visita que demora entre 15 e 25 minutos, aproximadamente.
1 - Não será permitido uso de qualquer calçado no andar superior, oferecemos as seguintes opções: descalços (mais seguro e confortável), uso de pantufas ou meias cirúrgicas.
2 - Não será permitido uso de equipamento fotográfico ou filmadora, celular, na parte superior (exposição permanente), sendo liberado no térreo, área da exposição temporária, pátio, auditório, etc.
3 - Não será permitido o consumo de alimento nas dependências do museu, exceto no auditório;
4 - bolsas, equipamentos ficarão na recepção ou no auditório vigiado, chave do armário fica com visitante até o final da visita. Sendo liberado bloco e caneta para anotações.
5 - Não será permitido comportamento inadequado (correrias, brincadeiras, algazarras, etc) e demais manifestações que possam colocar em risco a segurança do acervo; ao primeiro sinal do ocorrido o estagiário irá pedir ação enérgica do coordenador da turma, caso haja reincidência a visita será interrompida e todos convidados a descer e retirar-se do museu, podendo, inclusive haver presença do policial do BESP.
6 - Algumas instituições agendam a visita sem o consentimento de todos os envolvidos. No dia marcado, percebemos que nem todos manifestam vontade de fazer a visita, ocasionando retaliações (evadir-se do grupo, descumprir recomendações, perturbar o estagiário, desrespeitar os colegas, etc). É preciso deixar claro que a visita não é obrigatória, desejamos uma visita de aprendizado. Caso alguém não deseje fazer a visita, poderá aguardar na recepção ou nas imediações da praça.
7 - Nas visitas com mediação é preciso que a turma visitante permaneça coesa e atenta as explicações do estagiário, fazendo ou não perguntas; para isso contamos com o apoio dos coordenadores.
8 - A orientação é que os participantes da instituição visitante sejam divididos em grupos de no máximo 25 pessoas, que a visita aconteça seqüencialmente ou que dois grupos, totalizando 50 pessoas, sigam roteiros distintos pelas exposições.


3.1 - INFORME SEU MODO DE VISITA
SEM MEDIAÇÃO do estagiário (15 a 20 min aproximadamente)
COM MEDIAÇÃO do estagiário (20 a 25 min aproximadamente)
Independente da escolha o estagiário se fará presente nos ambientes visitados.

domingo, 13 de maio de 2012

Tributo a Horácio Hora


Horacio Hora.
Fonte: GOIS, Baltazar. Biographia de Horacio Hora (1901) 


Thiago Fragata*

Nos idos de 1959, ao conceber o projeto expográfico do Museu Histórico de Sergipe, Jenner Augusto idealizou sala dedicada a obra de Horácio Hora. Com o apoio do irmão, Junot Silveira, e do próprio Governador, Luis Garcia, assim fez.[1]Em abril de 2007 a instituição cerrou as portas para uma restauração e desde sua reabertura em novembro do ano passado que o público ansiava pela reativação da Sala Horácio Hora, visto que a instituição detém maior acervo do artista romântico.

Nascido na cidade de Laranjeiras, no dia 17 de setembro de 1853, filho de Maria Augusta Hora e Antônio Esteves de Souza, cedo Horacio Hora revelou inclinação para o desenho e artes plásticas. Fez os primeiros estudos na terra natal. Seu talento sensibilizou a Assembléia Legislativa da então Província de Sergipe que concedeu subvenção para estudar e aperfeiçoar seu trabalho na Escola de Belas Artes de Paris, França. Falecido no dia 28 de fevereiro de 1890, em Paris foi enterrado, longe dos familiares, da sua pátria. Na imprensa baiana, a notícia foi publicada somente em 1 de abril.[2]

O principal estudo biográfico sobre o artista foi publicado por Baltazar Góis, onze anos depois de sua morte. Na “Biographia de Horácio Hora: pintor sergipano”, de 1901, o autor discorre sobre a vida e a obra do artista, com adendos de João Ribeiro, Gumercindo Bessa e Manuel dos Passos.[3] Recentemente, chegou ao nosso conhecimento um artigo de Manuel Curvelo de Mendonça (1870-1914) não-citado na referida biografia. Independente de qualquer justificativa evocada para o esquecimento de Góis, reproduzimos o achado a fim de endossar futuras pesquisas:

Não posso resistir ao impulso de trazer para aqui, posto que confusamente, as impressões amargas que me tocam o espírito, ao ter a notícia da morte de Horácio Hora, o saudoso artista sergipano.

Não sei mesmo o que contribui mais para avivar este desejo: se a simpatia que desde criança tenho pelo ilustre pintor, ou se a consternação que nos deixa sempre no espírito o desaparecimento de uma dessas raras personalidades, que vivendo obscuramente, entregue ao serviço de uma causa, de uma ciência, ou de uma arte, deixam, morrendo, um vazio tanto maior, quanto mais difícil é de ser preenchido, o que não acontece, ao menos entre nós, com esses grandes da política, aos quais aliás rendem-se, em momentos idênticos, suntuosas homenagens.


É provável que essas duas circunstâncias hajam pesado do mesmo modo neste meu empreendimento, nelas, pois, encontra ele sua explicação e justificativa.

De todas as manifestações intelectuais de um povo qualquer, a arte é, fora de toda dúvida, uma das que mais próprias são para significar o grau de adiantamento em que ele permanece. Dar à matéria a forma de suas idéias e de suas crenças, traduzir do modo que lhes é permitido, o estado do seu espírito, tal é, conforme o que me parece de mais verossímil, uma das primeiras preocupações das sociedades, ao se constituírem.

Afora o pendor natural pelo belo, tanto mais palpável quanto mais civilizado é o povo onde ele se faz sentir, tal é a causa imediata do apreço em que são tidas as artes nas grandes nações e do acoroçoamento que lhes deve um governo bem intencionado. Entre nós, todavia, a política nos tem assoberbado. Eis porque “a nossa instrução artística”, na frase caustica de José Veríssimo, o novel, mas já tão autorizado crítico paraense, “envolve-se ainda nas sombras do mito”.

Ma não é isto o que me importa neste momento. Penso firmemente que Horácio Hora merece um completo estudo crítico, que nos venha revelar todas as variações e irradiações de que era capaz e seu belo talento artístico. Não serei eu quem leve, quem pretenda levar avante semelhante cometimento, para um tal estudo a falta dos documentos indispensáveis seria um enorme obstáculo, se maior e em primeira linha uma outra não viesse se antolhar – a minha incompetência.

O Brasil, ou pelo menos, Sergipe precisa saber quem foi seu filho que a morte acaba de surpreender em Paris, quero dizer, no único lugar onde ele pode dos recursos de sua arte, honradamente viver. Nesse estudo deve ser salientado o “nacionalismo” de seus quadros e... não hesito em dizer, de todos os seus quadros, visto como penso que esse notável caráter há transparecido em seus trabalhos, com a dupla vantagem de torná-lo um artista verdadeiramente brasileiro, digno de nós, e de conservá-lo em sua originalidade, isto é, deixando entrever neles um “quê” indefinível, que é o reflexo do supremo encontro de nossa natureza inesgotável, que não se afastou do artista em sua peregrinação pelo velho mundo e que tão claramente se manifestou nos últimos momentos de sua vida, nestas palavras de amor: “longe da pátria”.

Seja permitido aqui fazer uma pequena digressão. Com ternas reminiscências da infância, ainda tenho bem vivas na memória as impressões de uma tarde em que estive com o ilustre pintor em Laranjeiras, nas encostas de um dos morros dessa cidade, quando ele se entregava aos seus trabalhos de arte.

Eu passava pela estrada que vai ter a Igreja do Bomfim, sita no cume do outeiro do mesmo nome, quando avistei-o embebido no seu mister. Semelhante descoberta era de natureza a atrair-me a curiosidade, tão acesa quanto era natural na idade em que eu estava. Lá chegando, só por instinto, reprimir a ansiedade de fazer-lhe mil perguntas, no que fui sempre muito pródigo a ponto de tão poucas vezes tornar-me imprudente.

Naquele instante, porém, fui de uma extraordinária paciência, que não passou despercebida ao nosso artista. Num intervalo em que parecia descansar como quem termina a elaboração de uma estrofe, virou-se para mim, que sentado numa anfractuosidade da encosta, entretinha-me quedo na contemplação do que não compreendia, e perguntou-me o que achava no que via, isto é, nos traços que esboçavam a tela.

- “Não sei como dessas linhas possa sair a cópia fiel desse belo quadro que ali vemos, mas gosto de ver como se faz aquelas bonitas pinturas que tem no seu gabinete”, disse-lhe eu com a intimidade e afoiteza das crianças. Não tenho fiel recordação do mais, porém sei que fiquei muito satisfeito com a palestra e votando-lhe já uma embrionária admiração, porque via nele um homem diferente dos outros, visto fazer coisas que os outros não faziam. Hoje, traduzindo esse “ser diferente dos outros” por – gênio – folgo ao considerar que naquele tempo eu já o tinha como tal.

Peza-me bastante estar na impossibilidade de acrescentar aqui uma resenha mais ou menos perfeita de seus trabalhos. Alguma coisa que sobre mérito afirmei, quer me parecer seja de fácil verificação. O “nacionalismo” tem no quadro “Pery e Cecy” atualmente na Bahia, a mais eloqüente confirmação do que eu disse a esse respeito. Creio que a representação da deliciosa passagem do Paquequer em nada desmerece da bela criação de José de Alencar.

Pela natureza dessas linhas, cujo alvo não ultrapassa o mero desejo de associar minhas mágoas as de meus conterrâneos pelo triste fim de nosso ilustre irmão, por sua natureza, digo eu, tendo-se ela em vista, se me desculpará que eu só tenha tido para ele elogios. Defeitos, se os tem, e censuras, se as merece, só a crítica compete apontá-lo e fazê-las, mas... com sobriedade e cordura para não afugentar os poucos talentos que em tal arte ousam se desenvolver entre nós, a ponto de se tornarem “avis rara”.

Uma homenagem ao honrado artista sergipano, cujo laureado pincel a morte acaba de paralisar tão atrozmente, - eis o destino destas despretensiosas palavras. E... Como precedi-as de um belo pensamento de Bernardin de Saint Pierre [um túmulo é um monumento colocado no limite de dois mundos], fecho-as com uma não menos expressiva sentença de Álvares de Azevedo, um dos maiores escritores brasileiros antigos e modernos: “é ainda uma aurora sem dia que perdeu-se numa tempestade de inverno”.[4]

Eis o artigo redigido por Manuel Curvelo de Mendonça, em Recife, em abril de 1890, e publicado em Sergipe, em junho daquele ano. Sincero e emocionado com a morte do artista a quem admirava. Para não esquecer Horácio Hora, ainda que a vida tenha sido breve, sua arte, aliás, o artista vive em suas obras. Convido o leitor, apreciá-las. O Museu Histórico de Sergipe funciona de terça a domingo, das 10 às 16 horas.



* Thiago Fragata é historiador e poeta, especialista em História Cultural (UFS), sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com Artigo publicado no Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 22/6/2010, p. B6
NOTAS DE PESQUISA
[1] FRAGATA, Thiago. Cinqüentenário do Museu Histórico de Sergipe: Jenner Augusto (III).Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 11322, 14/04/2010, p. B-6.
[2] GOIS, Baltazar. Biographia de Horacio Hora: um pintor sergipano. Aracaju: Impr. Estado de Sergipe, 1901.
[3]NUNES, Verônica; CARVALHO, Ana Conceição Sobral. Horácio Hora. Aracaju: Governo do Estado de Sergipe, 1982, p. 25.
[4] MENDONÇA, Manuel Curvelo de. Horácio Hora. O Republicano. Aracaju, ano II, n. 151, 1/6/1890, p. 3.

Cinqüentenário do MHS em 3 tópicos (1960/2010)

Luis Garcia, em seu governo foi criado o Museu Histórico de Sergipe (3/5/1960)


Thiago Fragata*
I - O SOBRADO[1]

No dia 5 de março de 2010, o Museu Histórico de Sergipe completou 50 anos de existência. Meio século de vida, no caso em tela de atividades, de avanços e retrocessos, suscita reflexões além da festa programada pelo Governo do Estado, através da Secretaria Estadual de Cultura. Nesse sentido minha contribuição, de pesquisador, ora revelada e ainda incipiente, pretende compor a trajetória do prédio, citar idealizadores e benfeitores desta importante instituição museal.

Prédio e acervo do Museu Histórico de Sergipe remontam o século XVIII. Naquele contexto de um Brasil Colonial a economia canavieira galgara pico de produção e o mercado exterior favorecendo o embelezamento de conventos e igrejas. Boa parte dos sobrados existentes no centro histórico de São Cristóvão, sede da então Capitania de Sergipe d’El Rey, serviam a administração ou moradia de burocratas e veraneio de abastados senhores de engenho da zona do Cotinguiba e/ou do Vaza Barris. Este não era o caso do proprietário do sobrado localizado a praça São Francisco de São Cristóvão, o tenente Domingos Rodrigues Vieira de Melo, um militar.  

A Emancipação Política de Sergipe da Bahia, em 1820, ocasionou a crescente necessidade de compra e disponibilidade de prédios para administração. Disso resultou a compra do sobrado ao militar no ano de 1823. Incorporado aos próprios nacionais o prédio foi reedificado e inaugurado em 12 de outubro de 1825, na gestão do Presidente (Governador) Manuel Clemente Cavalcante de Albuquerque, como parte das comemorações das Festas Nacionais em homenagem ao aniversário de Sua Majestade D. Pedro I e à Fundação do Império.[2]

Com acentuada tendência liberal, Manuel Clemente governou durante 20 meses, impingindo medidas inovadoras e alheio aos embates políticos. Dentre as principais medidas constam a fundação de um jardim botânico para centro de apoio a agricultura; organização da “Casa do Trem” com instrutor para formar trabalhadores de artes e ofícios manuais, ampliação do efetivo militar e introdução de método lancasteriano na educação da Província.[3] Sua morte repentina, no dia 2 de novembro de 1826, consternou a todos. Como ele havia manifestado o desejo de ser enterrado “numa das igrejas da cidade”, foi inumado no chão do Convento São Francisco.[4]

Em 1855, o Palácio do Governo foi avaliado, com certo exagero, em 50:000$000 (cinqüenta contos de réis), num momento em que os opositores a Mudança da Capital listava o prejuízo aos cofres públicos com o ato de Inácio Joaquim Barbosa, então Presidente da Província.[5]

Cinco anos depois, em viagem pelo nordeste, o imperador Dom Pedro II conheceu Sergipe entre os dias 4 e 19 de janeiro de 1860, na companhia da imperatriz Tereza Cristina. O monarca visitou a ex-capital no dia 18 e foi homenageado no prédio que servia de Câmara Municipal de Vereadores. Nele armou-se capela e sala de despachos, teve beija-mão e dossel para o ilustre monarca.[6]

João Bebe-Água, apelido do principal opositor a Mudança da Capital, foi vereador do Partido Liberal e nessa condição freqüentou o vetusto monumento. Apesar dos adjetivos impingidos pelos adversários políticos (louco, maltrapilho, cachaceiro) João Nepomuceno Borges, seu nome de batismo, legou uma comovente lição de amor a cidade de São Cristóvão. A promessa de guardar fogos para estourar no dia do retorno da Capital e a jura de morrer sem conhecer Aracaju romantiza seu incompreendido bairrismo quixotesco.  

O Estado comprou o prédio que pertencia a Fazenda Federal por 2:000$000 (dois contos de réis), conforme escritura de compra e venda de 19 de março de 1918.[7] Experimentou um período de completo abandono. Nas décadas de 1920 e 1930, nele funcionou a delegacia da cidade. Em janeiro de 1940, durante gestão do prefeito Antônio Silvio Bastos o antigo Palácio Provincial foi reformado para instalação da Escola Barão de Mauá.[8] Mas foi a Mesa de Rendas Federais (Exatoria) que aí permaneceu instalada durante anos. Em 1951-1952, era sede do sindicato dos Operários de São Cristóvão, com sala de jogos e salão de baile. O Grupo Escolar Vigário Barroso ficou instalado durante reforma de sua sede.

Em 1960, no dia 5 de março, foi inaugurado o Museu Histórico de Sergipe, no Governo de Luis Garcia. Seu rico e diversificado acervo tem marca dos organizadores-curadores, os irmãos Junot Silveira e Jenner Augusto. Mais falar dos idealizadores e benfeitores é assunto para o próximo tópico.

II - OS PIONEIROS[9]

José Augusto Garcez, pioneiro no campo da museologia

Os 50 anos do Museu Histórico de Sergipe festejado em março (2010) não olvida os antecedentes. O Museu de História e Arte Popular, como foi anunciado em agosto de 1959, por Junot Silveira, lembrava o Museu Sergipano de Arte e Tradição criado por José Augusto Garcez em 1948.[10] Neste tópico falaremos do pioneirismo deste e de outros pesquisadores que influíram direta ou indiretamente na concepção do Museu Histórico de Sergipe.

José Augusto Garcez nasceu em 1918, na Usina Escurial, em São Cristóvão. Iniciou seus estudos secundários no Colégio Tobias Barreto, concluindo no Colégio Maristas, em Salvador. Mais tarde, ainda na Bahia, iniciou o Curso de Direito, que, por motivos de saúde, não chegou a concluir. Aos 20 anos o sancristovense era colaborador em jornais de Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo.

Imbuído do desejo de musealizar as raízes culturais de Sergipe, José Augusto Garcez fundou, em 1948, e manteve com recursos próprios, o Museu Sergipano de Arte e Tradição, o qual foi detentor de um grande acervo referente à cultura material de Sergipe, resultado de coletas feitas em suas viagens pelo interior do Estado. A partir de suas ações museológicas, Sergipe passa a se destacar no quadro da museologia nacional, acompanhando o período de efervescência do surgimento dos Museus de Arte Moderna.[11]

No Museu de Arte e Tradição o intelectual preservou, pesquisou e comunicou o patrimônio salvaguardado. Mesmo funcionando em um espaço inapropriado, o que limitava a expografia e dava um aspecto de grande reserva técnica ou depósito, a instituição cumpriu suas funções museais, conferindo-lhe destaque diante de sua funcionalidade e sendo bastante visitado.

Atuando em vários planos da Museologia, Garcez foi da prática à teoria com o seu livro Realidade e Destino dos Museus, de 1958, sendo o responsável por uma obra pioneira de análise crítica-comparativa das primeiras instituições museológicas do Estado. Diante do exposto, não havia como conceber o Museu de História e Arte Popular, em 1959, que se concretizaria no ano seguinte com o nome de Museu de Sergipe.[12].
José Calasans e Lauro Barreto sensibilizaram o Governador para criação do MHS

Dois nomes influenciaram na escolha do antigo Palácio Provincial de São Cristóvão para sediar a instituição museal: José Calasans Brandão da Silva e Lauro Barreto Fontes. O primeiro nascido em Aracaju (1915), professor, folclorista e renomado historiador da História de Aracaju e da Guerra de Canudos. O papel de José Calasans como primeiro agente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe foi relegado pelos pesquisadores da sua vida e obra, daí a grande dificuldade para escrever esse parágrafo. Somente numa entrevista concedida na Videoteca Aperipê Memória (TV Aperipê), em dezembro de 1993, Calasans depõe que junto com o engenheiro Lauro Barreto Fontes foi responsável “na preparação daquele museu de São Cristóvão”.  Ele esclarece que parte do acervo que recolheu para o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe foi doado para compor a instituição. Em seguida o entrevistado afirma: “foi uma sugestão, de certo ponto, minha que levou o Luís Garcia a fazer àquele Museu”.

O engenheiro Lauro Barreto Fontes era, coincidentemente, agente do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Sergipe a época da inauguração do Museu de Sergipe. A partir de um apelo seu e do amigo José Calasans junto ao Governador de Sergipe Luis Garcia, em Ondina, Salvador, nos idos de fevereiro ou março de 1959, este se convenceu a abraçar a idéia.[13] Do encontro saíram Luis Garcia e seu Secretário de Governo, Junot Silveira, convencidos da importância e viabilidade do projeto sugerido pelos conterrâneos. Naquele ano, enquanto os jornais sergipanos anunciavam o futuro Museu, Maria Thetis Nunes concluía o curso de Museologia, no Museu Imperial do Rio de Janeiro, como aluna de Gustavo Dodt Barroso, considerado o “Pai da Museologia Brasileira”.[14] Embora a professora Thetis, como era conhecida, não tenha desenvolvido trabalhos na área - ela faleceu em setembro de 2009 e sequer foi pegar diploma - o jornal A Cruzada chegou a anunciá-la como diretora do Museu Histórico de Sergipe. Receber agradecimento de Junot Silveira, no dia da inauguração do Museu Histórico de Sergipe (3/5/1960), endossa sua participação na obra.
Maria Thétis Nunes também contribuiu para criação do MHS

Adiante dedicaremos atenção especial a Jenner Augusto. Focaremos sua vida, arte e o desafio de organizar o Museu Histórico de Sergipe. Até porque não há como falar do passado e presente desse museu sem considerar a determinação, a sensibilidade e o amor que o artista aracajuano tinha pela instituição.    

III - JUNOT SILVEIRA & JENNER AUGUSTO[15]

Secretário de Governo, Junot Silveira, incentivou doações e avaliou acervos adquiridos

Irmão de Junot Silveira, jornalista e secretário de Governo de Luis Garcia, Jenner Augusto foi convidado para repetir no seu Estado natal o que fizera pelo Museu da Arte da Bahia. Animado qual artista renascentista, deixou aquele Estado e encastelou-se no antigo Palácio Provincial com a mulher Luisa e seus filhos. Destacaremos nesse artigo o seu trabalho de restaurador, artista plástico e curador do Museu Histórico de Sergipe.

Os irmãos nasceram em Sergipe, Junot em Estância, Jenner em Aracaju (1924). Filhos de Maria Catarina e Augusto Esteves da Silveira. Ainda crianças conheceram São Cristóvão, em 1926, onde a família morou até 1933. Em suas crônicas no jornal A Tarde, da Bahia, já na década de 1990, Junot recordaria parte preciosa da infância. Os irmãos aprenderam a ler na Escola das Irmãs da Imaculada Conceição instalada no Convento do Carmo. Sua mãe, viúva à época, foi professora no Grupo Escolar Vigário Barroso. Numa destas reminiscências, Junot enreda o antigo Palácio da Província. Lembra que regularmente freqüentava o prédio para cortar o cabelo com soldado Ezequiel ou para descontar “vale” de 10 mil réis da sua mãe. É que o vetusto monumento servia de quartel, cadeia e exatoria.[16]

Além de São Cristóvão a família residiu em Itabaianinha, Lagarto, Laranjeiras. Digressão a parte, voltemos a 1959, quando Jenner pensa a obra desafiadora do Museu de Sergipe e nos meios para concretizá-la. Empreende viagens ao interior, avalia acervos, por vezes compra do seu bolso, vai a Salvador pedir o auxílio dos amigos. Colaboradores de prontidão: Mario Cravo, Sanson Flexor, Caribé, Inimá de Paula, Tereza d'Amico, João Garbogini Quaglia, Humberto Cerqueira e Marcelo Glassman.[17]

Jenner Augusto, auto-retrato, 1981. Acervo MHS
Acende nele a idéia de destacar a obra de Horácio Hora, maior expressão da arte sergipana, numa das salas do futuro museu. Ele mesmo havia pesquisado e restaurado várias obras do artista laranjeirense, sob encomenda do Governo de Sergipe.[18] Junot recorre a compreensão das famílias detentoras de acervo artista e começam as doações em prol do Museu Histórico de Sergipe: Álvaro Santos, além de seus quadros, doa três obras do artista romântico; as sobrinhas de Horácio Hora, Almerinda e Baltazarina Góis, completam as doações. Do Museu de Arte da Bahia chega a obra-prima do artista, Peri e Ceci.

Mobílias, cofres, esculturas, artes plásticas, medalhas, moedas e os mais diversos artefatos, inclusive as ruínas de um antigo convento carmelita do século XVIII, chegam para compor a exposição permanente concebida por Jenner Augusto. A outra parte do acervo foi adquirida a expensas do Estado.

Além do aporte técnico-financeiro garantido pelo Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN, atual IPHAN), sob a presidência de Rodrigo Melo Franco de Andrade, a obra legada pelo Governo de Luis Garcia, conheceu dois padrinhos que não podem permanecer no limbo. Um é Lourival Fontes, sergipano de Riachão do Dantas, senador. O outro é Lourival Baptista, deputado federal. Embora nascido na Bahia, este começou sua vida política em São Cristóvão, em 1951, onde se elegeu prefeito. Juntos, os parlamentares “consagraram no Orçamento da União, uma verba de um milhão de cruzeiros para o Museu”.[19]

Numa simples consulta ao livro de tombo do Museu Histórico de Sergipe, hoje, é possível identificar o acervo recolhido em 1959 e 1960. O exercício é importante para melhor compreender o pensamento de Jenner Augusto, que mesmo depois de encerrado o trabalho de curadoria virou benfeitor, doando obras do seu acervo particular.

A grande descoberta desta incursão nos anos de 1959 e 1960, permite concluir: a) que embora não se trate do primeiro museu criado no Estado, o Museu Histórico de Sergipe, como atesta esse momento natalício, é o mais antigo; b) sua criação envolveu um conjunto de atores, que num enredo de um ano (março de 1959 a março de 1960) sonharam, trabalharam, patrocinaram, enfim, efetivaram a obra. Talvez pela sua condição de artista, restaurador, benfeitor é justo relembrar um parecer de Junot Silveira sobre o sentimento que unia seu irmão ao Museu Histórico de Sergipe: “Ele fez tanto pelo museu da velha capital que há pouco um jovem repórter divulgou ampla matéria, afirmando que Jenner fincou pé em São Cristóvão para que o museu se fizesse... outros também muito fizeram pela casa de cultura sergipana, embora nenhum contasse com o entusiasmo de Jenner, o que não se pode negar. Mas o pintor reconhece a sugestão de Lauro Barreto e de José Calasans, e do Governador Garcia, de empresários e trabalhadores, políticos e homens do povo, autoridades e famílias sergipanas. Todos, quase sempre no seu silêncio, colaboraram com tão boa vontade, como se fosse pedras grandes e pequenas, pedras lascadas e polidas, que sob a argamassa do amor a Sergipe, fizeram do antigo Palácio Imperial um inconfundível obra para os presentes e os futuros”.[20]





* Thiago Fragata é graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em História Cultural pela mesma universidade, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), membro do Grupo de Estudos História Popular do Nordeste (GEHPN/CNPq) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com

NOTAS DE PESQUISA
[1] FRAGATA, Thiago Fragata. Cinqüentenário do Museu Histórico de Sergipe: o sobrado (I). JORNAL DA CIDADE. Aracaju, ano XXXIX, N. 11.309, 28 e 29/03/2010, p. B-11.
[2] NUNES Maria Thétis. História de Sergipe a partir de 1820. Rio de Janeiro, Editora Cátedra, 1978, p. 113.
[3] NUNES, Maria Thétis. Sergipe provincial. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000, p. 141, 151 e 154.
[4] Testamento de Manoel Clemente Cavalcante de Albuquerque. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, Aracaju, ano II, n. 5, 1914, p. 131-132.
[5] Correio Sergipense. Papéis antigos. Revista do Aracaju. Aracaju, 1944, p. 265.
[6] GALVÃO, Manuel da Cunha. Viagem Imperial á Província de Sergipe, ou narração dos preparativos, festejos e felicitações que tiverão logar por occasião da visita que fizerão á mesma província, em janeiro de 1860. Bahia: Typ. do Diário, 1860, p. 95.
[7] Cartório do 1. Ofício da Comarca de Aracaju. Livro de Notas, fls. 57 a 59.
[8]  Recibo de despesa. Tesouraria Arquivo da Prefeitura Municipal de São Cristóvão, 04/12/1939-05/04/1940.
[9] FRAGATA, Thiago Fragata; SANTOS, Cláudio de Jesus. Cinquentenário Do Museu Histórico de Sergipe: os pioneiros (II). Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, N. 11314, 4 e 5/4/2010, p. B-11.
[10] São Cristóvão, sede do Museu de Arte Popular. Correio de Aracaju. Aracaju, ano LII. N. 6272, 29/08/1959, p. 4.
[11] LOURENÇO, Maria Cecília França. Museus Acolhem Moderno. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 89.
[12] SANTOS, Cláudio de Jesus. José Augusto Garcez, precursor da museologia sergipana. Jornal da Cidade. Aracaju, 1/6/2009, p. B6.
[13] SILVEIRA, Junot. O Museu de Sergipe. A Tarde. Salvador, 27/2/1994, p. 5.
[14] FRAGATA, Thiago. Thetis Nunes, museóloga sim! Divirta-se. Aracaju, ano 1, n. 6, nov. 2009, p. 19.
[15] FRAGATA, Thiago Fragata. Cinquentenário Do Museu Histórico de Sergipe: Jenner Augusto (III). Jornal da Cidade. Aracaju, ano XXXIX, n. 11322, 14 de abril de 2010, p. B-6.
[16] SILVEIRA, Junot. Uma teimosia. A Tarde. Salvador, 09/7/1989, p. 5.
[17] Diário Oficial. Aracaju, ano XLI, 11/02/1960, p. 2.
[18] Correio de Aracaju. Aracaju, ano LII. N.6222, 20/03/1959, p. 4.
[19] Diário Oficial. Aracaju, ano XLI, 9/3/1960, p. 5.
[20] SILVEIRA, Junot. O Museu de Sergipe. A Tarde. Salvador, 24/1/1993, p. 5.







segunda-feira, 7 de maio de 2012

Freire Ribeiro e a cidade musa-museu

Freire Ribeiro, crayon de Florival Santos, SD
Acervo do MHS


Thiago Fragata*

O poeta João Freire Ribeiro nasceu em Aracaju em 4 de setembro de 1911 e faleceu em 24 de janeiro de 1975. Foi durante anos o diretor técnico da Biblioteca Pública Epifanio Dória.[1] Freqüentou São Cristóvão a partir da década de 1950 incentivado pelos amigos José Calasans, Lauro Barreto Fontes, agente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e do sancristovense José Augusto Garcez.

Tinha na cidade colonial um elo sentimental que união o poeta a sua musa. Confessava que a cidade respirava poesia e chegava a dormir em seus templos a fazer boemia pelas ruas e praças a espera da inspiração. “O vate amou e exaltou a velha cidade”, reconheceu Arivaldo Fontes, não por acaso doou acervo para compor o Museu Histórico de Sergipe e dedicou-lhe a obra São Cristóvão de Sergipe D’El Rei, publicado em 1971.[2] A poesia “Museu”, dedicada ao Governador Luiz Garcia, emoldura as páginas que merecem reedição.


MUSEU



Penetro o Museu
No belo Palácio!...
Bagnuolo me fala
De luta sangrenta
Que a História aviventa!

Feroz mortandade
As tropas de Holanda
Brigando nas ruas
Da nobre cidade!
Labatut, vai comigo...
Brigadeiros, barões!...
Dom Pedro Segundo
Outrora bailando
De barbas bem loiras,
Nos grandes salões!

Esculturas em pedra
- tesouros achados
Na terra enterrados
Num velho convento,
- ruína sagrada,
Sem frades, sem santos,
No templo ultrajado!

Cadeirinha mimosa...
Onde negros escravos
Chegados do Congo?
Cadeirinha saudosa
De linda Senhora,
De langue Donzela
De cor duma estrela
Nas montras da aurora!

Brazão esplendente
Brasil refulgente
Aos olhos do mundo
Nos fastos do Império
Com Pedro Segundo!

Um Cristo, obra-prima.
- imagem sombria
Sem braços, penando,
Em chagas sangrando
Numa imensa agonia!

A tarde, lá fora,
Em luz se desfaz:
São Cristóvão é um ninho
De sonho e de paz!...

Cachimbos, taieiras,
Ferrenhos punhais
Dos cãibras do Norte
Instrumentos terríveis
De cenas de morte!

Canhões de outras eras
Com limos de glória,
Dormindo, caducos,
Nas noites da História!

Pistolas, espadas
Mil bravos lembrando
Cocares e bestas
Com arcos de índios
Nas paredes pousando!

Horácio, presente
Nos quadros eternos
Da nossa pintura!

Cenário ameríndio:
Em tela gigante
Cecília dormindo
Em selvagem piroga,
Em doce postura
À sombra do índio!

Régias camas vazias
Com lindos brocados,
Recordando mil noites
Com corpos amados!...

A cama é um ninho,
Uma breve pousada
Do corpo que espera
A viagem do nada!...

Num pátio mouruno
Do lindo Palácio
Revejo, sonhando,
Pepita Tangil,
Uma flor espanhola
Em desterro morrendo
Em Sergipe, Brasil!

Espanha presente
No belo Palácio
Mouruna gitana
Aparece aos meus olhos!
Vem com flor e mantilha
Bailando ao compasso
De flauta encantada
Solando a saudade
Da Arábia em Sevilha!...

As sombras me falam,
Os mortos me chamam!
A tarde é lá fora
Em sanguínea agonia
Uma rosa dorida!
O Palácio está cheio
De vultos fugidos
Das cenas da vida!

A vida, me chama!
São Cristóvão cintila
Num lindo poente
De púrpura e ouro
Na tarde tranqüila!

Adeus, São Cristóvão!

Adeus, Bebe-Água!
Visão aparece
À luz dos meus olhos,
De barbas ao vento:
Frei Luiz do Rosário
Olhando a cidade
Dum velho Convento!

Um sino plangendo
No bojo da tarde,
Meu sonho desfaz!

Um sino, que brônzeo
No tempo, soletra
Os nomes queridos
Dos mortos, vivendo
Nos Reinos da Paz![3]



*Thiago Fragata é graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), especialista em História Cultural pela mesma universidade, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE), membro do Grupo de Estudos História Popular do Nordeste (GEHPN/CNPq) e diretor do Museu Histórico de Sergipe (MHS). E-mail: thiagofragata@gmail.com
NOTAS
[1] BRASIL, Assis (org.). A poesia sergipana no século XX: antologia. Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: SEED/SE, 1998, p. 74.  
[2] FONTES, Arivaldo Silveira. Freire Ribeiro e São Cristóvão. __. In: Figuras e fatos de Sergipe. Porto Alegre: Ed. CFP SENAI, 1992, p. 36.
[3] RIBEIRO, João Freire. São Cristóvão de Sergipe D’El Rey (Poesias), S/Ed, 1971, p. 21-25.