Apenas um cachaceiro, assim dizia seus inimigos. Xilogravura de André Gustavo, 2005. |
Por Thiago Fragata*
A Mudança da Capital de São Cristóvão para o
povoado de Santo Antônio do Aracaju constitui o segundo tema mais estudado na
historiografia sergipana, perdendo somente para a questão dos limites entre
Sergipe e Bahia. No entanto, boa parte dessa produção pautou-se em discutir a
origem e povoamento de Aracaju, o mérito/demérito e acerto/erro do governante
Inácio Joaquim Barbosa, o grau de ingerência de João Gomes de Mello, o Barão de
Maruim, na decisão política.
Numa
perspectiva inovadora para época, 1942, o jovem José Calasans Brandão da Silva
apresentou sua tese para concurso à cadeira de História do Brasil e de Sergipe
da Escola Normal. Na visão calasiana a decisão teve fatores externos ou
nacionais, como a política de conciliação inaugurada pelo Marques de Paraná, a
era Mauá e uma mentalidade mercantil. Mas também, apresentou fatores internos
ou regionais, como o fato do escoamento da produção taxada na capital São
Cristóvão depender das marés do rio Paramopama, afluente do rio Vaza Barris.
Sem esquecer que a zona mais próspera da Província chamava-se Cotingüiba e nela
se achava assentada a economia sergipana. Em resumo, Calasans atenta para uma
tendência nacional de mudar a sede para beira-mar mostrando que Alagoas (1832)
e Piauí (1851) fizeram o mesmo naquele contexto.
Mas falando de João Bebe-Água ou de João
Nepomuceno Borges, vejamos o que foi possível apurar nas recentes pesquisas. A
primeira etapa da organização do Arquivo da Prefeitura Municipal de São
Cristóvão, em 2006, revelou novidades sobre o enigmático sujeito que nos
convida a reflexão acerca da visão depreciativa e caricata que ganhou foros de
verdade em razão da repetição ao longo do tempo.
Antes gostaria de esclarecer que a intenção
aqui não é heroicizar a personagem que vencida pela ação dos adversários
políticos – João Bebe-Água era membro do Partido Liberal. Ele viu seu comercio
falir, foi rotulado louco, patriota insano, um maltrapilho que morreu sonhando
com o retorno da capital a guardar foguetes para estourar nesse dia.
Lembrando conhecido jargão da historiografia
francesa “História faz-se com documentos”. Eis que entre papéis antigos do
Arquivo da Prefeitura de São Cristóvão descobrimos que o homem simples gozava
de prestígio perante a população sancristovense. Era vereador em 1864, cargo
não-remunerado naquela época. O termo de sua posse (29/09) informa que João
Nepomuceno Borges era vereador re-eleito.1
Ao correr
os olhos no citado Livro de Eleições
não demoramos a encontrar João Nepomuceno Borges como juiz de paz em 1893.
Sabemos que ele não tinha formação em ciências jurídicas, o que não era
requisito para o desempenho das atividades inerentes ao cargo, atinente a
resolução de problemas da ordem pública e organização das eleições de
vereadores e juízes. Manuel dos Passos de Oliveira Teles, juiz de órfãos de São
Cristóvão, na época, afirmou ter conhecido João Bebe-Água e garante que ele “não foi louco, não foi um mendigo, era um
resignado”.2 Por sua vez, Sebrão Sobrinho, mesmo discordando de
Manuel dos Passos em quase tudo, assegura que “João Bebe-Água não foi um tipo à-toa”.3
Vereador, juiz, beato, pesquisas revelam um outro João Bebe-Água. Xilogravura de Nivaldo Oliveira, 2013 |
Tais evidências levam a refletir o quanto a
imagem depreciativa de João Bebe-Água, ora assentada no alcoolismo, ora na
insanidade barrista, deve ser ponderada. Pela sua dimensão humana e
protagonista, é hora de apreciar sua biografia como uma lição de amor a terra
natal, São Cristóvão. É justamente nesta
aura que é preciso fazer uma revisão sobre a Mudança da Capital e especialmente
sobre João Bebe-Água.
*Thiago Fragata é
especialista em História Cultural (UFS), sócio efetivo do IHGSE e Diretor do
Museu Histórico de Sergipe. E-mail: thiagofragata@gmail.com
REFERÊNCIAS:
1 -
APMSC, São Cristóvão. Livro de Eleição do Câmara Municipal - 1848/1893.
Manuscrito,
2 - TELES, Manuel dos Passos de Oliveira. João Bebe-Água. In: __. Sergipenses. Aracaju: Typ. d’O Estado
de Sergipe, 1896, p. 61;
3 - SOBRINHO, Sebrão. Laudas para a História de Aracaju. Aracaju: Liv. Regina, s/a, p.
65.
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