quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Filmes e poesias marcaram o III Círculo dos Ogãs

Roda de Leitura Negritude aconteceu no Museu Histórico de Sergipe. Foto: Flávia Santana
 

A Mostra de Video Africanidade e Roda de Leitura Negritude fizeram parte da programação do III Círculo dos Ogãs, evento realizado pela Associação Cultural Amigos do Museu (ACAMHS) e ONG Sociedade para o Avanço Humano e Desenvolvimento Ecosófico (SAHUDE), nos dias 17 e 20 de novembro. Coordenada pela equipe da Casa do IPHAN, a exibição de filmes temáticos foi prestigiada pelos alunos da Escola do Lar Imaculada Conceição na manhã do dia 20.

Thiago Fragata, diretor do MHS, recitou Navio Negreiro, de Castro Alves, como tema da abertura dos trabalhos da Roda de Leitura Negritude, na tarde do dia 17, sábado. Em seguida revesaram-se na leitura bibliografia selecionada os contadores Eliene Marcelo, Denise Santiago, Kleckstane Farias, Jória Dias e Edmilson Celestino. Maria Gloria recitou seu último trabalho poético denominado "Poesia sem título". Ézio Sant's cantou clássicos da MPB que remetem ao tema do evento. Os alunos do Colégio Graccho Cardoso compareceram ao evento que contou ainda com apresentações do MC Mir, que entoou clássicos do rap e suas próprias composições carregadas de poeticidade e inspiradas no drama social da juventude brasileira. "Aqui a gente embarca no Navio Negreiro de Castro Alves, percebe que 'todo camburão tem um pouco do navio negreiro (Rappa)' e finaliza mostrando o rap como uma forma de poesia marginalizada pela nossa sociedade", lembrou Thiago Fragata. 


Casa do IPHAN sediou Mostra de vídeos Africanidade. Foto: Kleckstane Farias

Alunos do Elic prestigiaram filmes. Foto: Kleckstane Farias

Confira poesias e imagens: 


Thiago Fragata interpretou Navio Negreiro sob olhares atentos do público


NAVIO NEGREIRO 


Stamos em pleno mar... Doudo no espaço 
Brinca o luar — dourada borboleta; 
E as vagas após ele correm... cansam 
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento 
Os astros saltam como espumas de ouro... 
O mar em troca acende as ardentias, 
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos 
Ali se estreitam num abraço insano, 
Azuis, dourados, plácidos, sublimes... 
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...

'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas 
Ao quente arfar das virações marinhas, 
Veleiro brigue corre à fREIRlor dos mares, 
Como roçam na vaga as andorinhas...

Donde vem? onde vai?  Das naus errantes 
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço? 
Neste saara os corcéis o pó levantam,  
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora 
Sentir deste painel a majestade! 
Embaixo — o mar em cima — o firmamento... 
E no mar e no céu — a imensidade!

Oh! que doce harmonia traz-me a brisa! 
Que música suave ao longe soa! 
Meu Deus! como é sublime um canto ardente 
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! ó rudes marinheiros, 
Tostados pelo sol dos quatro mundos! 
Crianças que a procela acalentara 
No berço destes pélagos profundos!

Esperai! esperai! deixai que eu beba 
Esta selvagem, livre poesia 
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa, 
E o vento, que nas cordas assobia... 
..........................................................

Por que foges assim, barco ligeiro? 
Por que foges do pávido poeta? 
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira 
Que semelha no mar — doudo cometa!

Albatroz!  Albatroz! águia do oceano, 
Tu que dormes das nuvens entre as gazas, 
Sacode as penas, Leviathan do espaço, 
Albatroz!  Albatroz! dá-me estas asas. 


II
Que importa do nauta o berço, 
Donde é filho, qual seu lar? 
Ama a cadência do verso 
Que lhe ensina o velho mar! 
Cantai! que a morte é divina! 
Resvala o brigue à bolina 
Como golfinho veloz. 
Presa ao mastro da mezena 
Saudosa bandeira acena 
As vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas 
Requebradas de langor, 
Lembram as moças morenas, 
As andaluzas em flor! 
Da Itália o filho indolente 
Canta Veneza dormente, 
— Terra de amor e traição, 
Ou do golfo no regaço 
Relembra os versos de Tasso, 
Junto às lavas do vulcão!

O Inglês — marinheiro frio, 
Que ao nascer no mar se achou, 
(Porque a Inglaterra é um navio, 
Que Deus na Mancha ancorou), 
Rijo entoa pátrias glórias, 
Lembrando, orgulhoso, histórias 
De Nelson e de Aboukir.. . 
O Francês — predestinado — 
Canta os louros do passado 
E os loureiros do porvir!

Os marinheiros Helenos, 
Que a vaga jônia criou, 
Belos piratas morenos 
Do mar que Ulisses cortou, 
Homens que Fídias talhara, 
Vão cantando em noite clara 
Versos que Homero gemeu ... 
Nautas de todas as plagas, 
Vós sabeis achar nas vagas 
As melodias do céu! ... 


III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano! 
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano 
Como o teu mergulhar no brigue voador! 
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras! 
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ... 
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror! 


IV

Era um sonho dantesco... o tombadilho  
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... estalar de açoite...  
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas  
Magras crianças, cujas bocas pretas  
Rega o sangue das mães:  
Outras moças, mas nuas e espantadas,  
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs!

E ri-se a orquestra irônica, estridente... 
E da ronda fantástica a serpente  
Faz doudas espirais ... 
Se o velho arqueja, se no chão resvala,  
Ouvem-se gritos... o chicote estala. 
E voam mais e mais...

Presa nos elos de uma só cadeia,  
A multidão faminta cambaleia, 
E chora e dança ali! 
Um de raiva delira, outro enlouquece,  
Outro, que martírios embrutece, 
Cantando, geme e ri!

No entanto o capitão manda a manobra, 
E após fitando o céu que se desdobra, 
Tão puro sobre o mar, 
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: 
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros! 
Fazei-os mais dançar!..."

E ri-se a orquestra irônica, estridente. . . 
E da ronda fantástica a serpente 
          Faz doudas espirais... 
Qual um sonho dantesco as sombras voam!... 
Gritos, ais, maldições, preces ressoam! 
          E ri-se Satanás!...  


V

Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus! 
Se é loucura... se é verdade 
Tanto horror perante os céus?! 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
De teu manto este borrão?... 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão!

Quem são estes desgraçados 
Que não encontram em vós 
Mais que o rir calmo da turba 
Que excita a fúria do algoz? 
Quem são?   Se a estrela se cala, 
Se a vaga à pressa resvala 
Como um cúmplice fugaz, 
Perante a noite confusa... 
Dize-o tu, severa Musa, 
Musa libérrima, audaz!...

São os filhos do deserto, 
Onde a terra esposa a luz. 
Onde vive em campo aberto 
A tribo dos homens nus... 
São os guerreiros ousados 
Que com os tigres mosqueados 
Combatem na solidão. 
Ontem simples, fortes, bravos. 
Hoje míseros escravos, 
Sem luz, sem ar, sem razão. . .

São mulheres desgraçadas, 
Como Agar o foi também. 
Que sedentas, alquebradas, 
De longe... bem longe vêm... 
Trazendo com tíbios passos, 
Filhos e algemas nos braços, 
N'alma — lágrimas e fel... 
Como Agar sofrendo tanto, 
Que nem o leite de pranto 
Têm que dar para Ismael.

Lá nas areias infindas, 
Das palmeiras no país, 
Nasceram crianças lindas, 
Viveram moças gentis... 
Passa um dia a caravana, 
Quando a virgem na cabana 
Cisma da noite nos véus ... 
... Adeus, ó choça do monte, 
... Adeus, palmeiras da fonte!... 
... Adeus, amores... adeus!...

Depois, o areal extenso... 
Depois, o oceano de pó. 
Depois no horizonte imenso 
Desertos... desertos só... 
E a fome, o cansaço, a sede... 
Ai! quanto infeliz que cede, 
E cai p'ra não mais s'erguer!... 
Vaga um lugar na cadeia, 
Mas o chacal sobre a areia 
Acha um corpo que roer.

Ontem a Serra Leoa, 
A guerra, a caça ao leão, 
O sono dormido à toa 
Sob as tendas d'amplidão! 
Hoje... o porão negro, fundo, 
Infecto, apertado, imundo, 
Tendo a peste por jaguar... 
E o sono sempre cortado 
Pelo arranco de um finado, 
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade, 
A vontade por poder... 
Hoje... cúm'lo de maldade, 
Nem são livres p'ra morrer. . 
Prende-os a mesma corrente 
— Férrea, lúgubre serpente — 
Nas roscas da escravidão. 
E assim zombando da morte, 
Dança a lúgubre coorte 
Ao som do açoute... Irrisão!...

Senhor Deus dos desgraçados! 
Dizei-me vós, Senhor Deus, 
Se eu deliro... ou se é verdade 
Tanto horror perante os céus?!... 
Ó mar, por que não apagas 
Co'a esponja de tuas vagas 
Do teu manto este borrão? 
Astros! noites! tempestades! 
Rolai das imensidades! 
Varrei os mares, tufão! ... 


VI

Existe um povo que a bandeira empresta 
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!... 
E deixa-a transformar-se nessa festa 
Em manto impuro de bacante fria!... 
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta, 
Que impudente na gávea tripudia? 
Silêncio.  Musa... chora, e chora tanto 
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...

Auriverde pendão de minha terra, 
Que a brisa do Brasil beija e balança, 
Estandarte que a luz do sol encerra 
E as promessas divinas da esperança... 
Tu que, da liberdade após a guerra, 
Foste hasteado dos heróis na lança 
Antes te houvessem roto na batalha, 
Que servires a um povo de mortalha!...

Fatalidade atroz que a mente esmaga! 
Extingue nesta hora o brigue imundo 
O trilho que Colombo abriu nas vagas, 
Como um íris no pélago profundo! 
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga 
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo! 
Andrada! arranca esse pendão dos ares! 
Colombo! fecha a porta dos teus mares!



  
Jória Dias recitou a poesia de João Sapateiro, Rebelião, que em 1986 ele dedicou a Nelson Mandela.

Poesia do saudoso João Sapateiro foi lembrada

REBELIÃO
 
João Sapateiro

Moloise foi trucidado
E está bem mais revolto
O povo que defendeu;
A luta de Benjamim
Só com vitória tem fim,
Seu desejo não morreu!

Cruel racismo arrogante
E o Apartheid intolerante,
Sua voz emudeceu.
Como bravo Derman Tuto
Todo negro está de luto,
E a luta recrudesceu!

Minoria bem armada,
Faz a raça espezinhada
Ficar toda efervescente!
Cantos de convocação
Ecoam pela nação
De liberdade carente.

Os negros, de sul a norte,
Desprezando a própria morte
Nessa contenda infernal
Por dever e por direito,
Enfrentam de todo jeito
As legiões do Chacal.

Morre um, nasce outro ano,
E o negro sul-africano
No julgo da repressão.
O mundo inteiro condena,
Mas não resolve ter pena
Sem arma e sem munição.

Moloise foi massacrada,
Mas continua hasteado
O pavilhão que foi seu;
A sua morte infamante
Tornou bem mais crepitante
A pira que ele acendeu!

Logo mais chega a derrota
Do perverso velho Bota,
Perigoso alienado;
Tudo no mundo tem fim,
O meu irmão Benjamim
Um dia será vingado!

“Agua mole em pedra dura
Tanto bate até que fura”
Diz um dito popular
Aquela gente sofrida
Breve terá nova vida,
Um novo sol vai brilhar!
 

Alunos do Colégio Graccho Cardoso e convidados aprovaram a iniciativa


Kleckstane Farias recitou poesia de Luiz Melo Santos: Pretoria. Eliene Marcelo apresentou "Mãe África", de Rô Fonseca.


Eliene Marcelo interpretou poesia de Rô Fonseca. Foto: Flávia Santana

MÃE ÁFRICA 

Rô Fonseca

Arrancaram
Seus filhos
Na escuridão
Da noite
Levando-os
Para uma noite
Bem maior.
Nos Navios Negreiros
Verdadeiros chiqueiros
Aonde eram obrigados
A ficar
Os lamentos
As lágrimas
Enchiam o mar.
Semanas e mais semanas
Dias e mais dias
Horas e mais horas
Minutos e mais minutos
Segundos e mais segundos
Cada vez mais perto do fim
Cada vez mais longe do começo.
Nos rostos
Expressões de medo
Almas
Mortas tão cedo
Nos corações
Muitos segredos
Em vez de homens, arremedos.
Após a chegada
Eram vendidos
Em leilões
Animais diferentes
Em exposições
Triste espetáculo
Exploração de irmão por irmão.
No entanto
A força da Terra Mãe
A fé que não foi
Destruída
Foi o bálsamo
Que curou todas
As feridas.
Surgindo uma Raça nova
Numa Terra nova
De você Mãe
Todos descendentes
Muito obrigado
MÃE ÁFRICA
Por ter nos ajudado a ser gente.


PRETORIA (leitura de Kleckstane Farias)

Luiz de Melo Santos

Não importa a etiqueta
A autoridade
A liturgia
O meu canto é necessário
Para promover justiça,
O meu canto é pretoria.

À mulher negra lhe deve
O Brasil o seu respeito
Após tê-la escravizado
Prendê-la ao forno e ao fogão
De submissa mãe preta.
O Brasil cresceu robusto
Pendurado nos seus peitos
Sempre inesgotáveis tetas.

Ao homem negro o Brasil
Deve o que não pode pagar
A espinha dura
A consciência
A solidez.
Ah! Brasil, montado em ouro
Em ferro
Em cana
E em café,
Lembra do sangue que veio da África
E te encheu,
Te pós em pé.

O Brasil deve à criança negra
O ventre livre que não teve
E que não tem
Nascer sentindo-se parte da paisagem
Crescer saudável
Olhar-se bem.
A carapina amada
O nariz chato encantador
O lábio grosso aceito sem reserva
A boca grande depositária de sorriso
E os pés na terra
Circulando sem temor.

Deve o Brasil ao povo negro
Respeito pelos seus cultos
E demonstre o seu aceite
Com generosidade
Como bem tem demonstrado
Com o que come e comeu
Pelo negro produzido
Feijoada sangue nervos
Caruru suor cozido
Vatapá sonhos e vultos.

E mais que tudo o Brasil
Deve olhar-se a si mesmo
E ter o máximo cuidado
Para evitar castigo.
Se vai atirar no negro
Vai perceber que morreu
Acertando o próprio umbigo.

 
A poetisa Maria Gloria escreveu versos para o evento. Foto: Flavia Santana


POESIA SEM TÍTULO

Maria Gloria


Minha tez é negra
meu cerne é negro
meus olhos são negros
minha alma é negra
e isso não modifica a cor que aportou em mim
não faz menor o meu saber
assim também o meu fazer
também não me convence a aceitar o que sobrou
o que restou entrego a você.

Minha carne é negra
minha alma também é negra
e isso não é ruim
o amanhã já é
as horas se dissolvem
e minha carne negra não determina meu valor.


Ézio Sant's levou sua poesia na voz e no violão ritmado. Foto: Flávia Santana
 
Edmilson Celestino dedicou versos a roda de leitura. Foto: Flávia Santana


O NEGRO E A ALIENAÇÃO DO MUNDO DO TER

Edmilson Celestino

Desse forte escravismo, que nunca acabou nem vai acabar
Desse alienismo, o sentimento é o das mazelas, das favelas, a alegoria da falsa alegria, da falsa boemia, da pseudo burguesia.
No ismos do capitalismo, do infanticismo, do escravismo
Não há mais sorriso, nem nunca houve
Quebrou o sentimentalismo, criou o marginalismo todos ao ostracismo
Rompeu a inocência e fez o negro ver  que ainda está na senzala
que exala, o medo, a dor, o furor
Que nunca será cantor, trovador, nem terá pudor
Que há uma cicatriz no fundo da alma
Que ha um abismo profundo por onde passa
Só há farsa, só há trapaça, Só há morte, carnificina
E a veia poética? Pergunte  a ética, é imoral
No mundo mortal e coisa e tal
Que festa, o que resta  são as arestas e nada mais
Porém a forca, deixem que a louca acredite na verdade, na liberdade
que não é, que nunca foi e que nunca será escrava
Permita que sua alma sombria permaneça oca
buscando boca a boca, sentido para os ismo dos transcendentalismo.


No jargão das ruas norte-americanas RAP significa "Rhythm and Poetry, ou seja, ritmo e poesia, expressão musical-verbal da cultura negra. Nesta perspectiva, o MC Mir foi convidado para blindar a Roda de Leitura Negritude com suas composições.
 

MC Mir coroou o evento com suas composições de rap


Públicou interagiu com clássicos do rap nacional



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