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Maria Gloria destacou poesia que Jorge Amado dedicou a Jenner Augusto |
Uma roda de Leitura
dedicada a Jorge Amado marcou a programação VI Primavera dos
Museus, na tarde de 28 de setembro, no Museu Histórico de Sergipe.
Artistas, acadêmicos e amigos do escritor homenageado celebraram com
leituras e lembranças o centenário de seu nascimento (1912/2012).
Thiago Fragata, diretor
do MHS, coordenou o evento. Ele lembrou a relação de Jorge Amado com a cidade de São Cristóvão, com o seu patrimônio e sua gente.
Os contadores Rose Barbosa, Eliene Marcelo, Carlos Augusto Bráz,
Maria Glória, Kleckstane Farias revezaram-se na leitura de obras
memoráveis de Jorge Amado: Tenda dos Milagres, Capitães da Areia,
Cacau, País do Carnaval, Suor.
Confira seleta de textos
e imagens.
TRECHOS SELECIONADOS
CAPITÃES DA AREIA
[VOLTA SECA]
Mas quem vai na rabada de
um trem é Volta Seca. Uma tarde a polícia o pegou quando o mulato
despojava uma carteira. Volta Seca tinha então dezesseis anos. Foi
levado para a polícia, o surraram porque ele xingava todos, soldados
e delegados com aquele desprezo que o sertanejo tem pela polícia.
Ele não soltou um grito enquanto apanhou. Oito dias depois o puseram
na rua, e ele saiu quase alegre, porque agora tinha uma missão na
vida: matar soldados da polícia.
Passou uns dias no
trapiche, o rosto sombrio, afogado em pensamentos. O sertão o
chamava, a luta do cangaço o chamava. Um dia disse a Pedro Bala:
- Vou passar uns tempos
com os Maloqueiros em Aracaju. Os Índios Maloqueiros eram os
Capitães da Areia (...) Nunca fora um menino da cidade igual a Pedro
Bala, a Boa-Vida, ao Gato. Fora sempre um dizendo meu padrim,
imitando as vozes dos animais sertanejos. Antigamente ele e sua
mãe tinham um pedaço de terra. Ela era comadre de Lampião, os
coronéis respeitavam sua terra. Mas quando Lampião se internou pelo
sertão de Pernambuco os coronéis ficaram com a terra da mãe da
Volta Seca. Ela desceu para a cidade para pedir justiça. Morreu no
caminho, Volta Seca continuou a caminhada com seu rosto sombrio.
Muita coisa aprendeu na cidade, entre os Capitães da Areia. Aprendeu
que não era só no sertão que os homens ricos eram ruins para os
pobres. Na cidade, também. Aprendeu que as crianças pobres são
desgraçadas em toda parte, que os ricos perseguem e mandam em toda
parte. Sorriu por vezes, mas nunca deixou de odiar.
Leitura de Thiago
Fragata
CACAU [SÃO CRISTÓVÃO]
A cidade subia pelas
ladeiras e parava lá em cima, bem junto ao imenso convento. Olhando
do alto, via-se a fábrica, ao pé do monte pelo qual se enroscava a
cidade como uma cobra de uma só cabeça inúmeros corpos. Talvez não
fosse bela a velha São Cristóvão, ex-capital do Estado, mas era
pitoresca, pejada de casas coloniais, um silêncio de fim de mundo,
as igrejas e os conventos a abafarem a alegria das quinhentas
operárias que fiavam na fábrica de tecidos.
Acho que meu pai
montara a fábrica em São Cristóvão devido à decadência da
cidade, à sua paz e ao seu sossego, triste cidade parada que devia
apaixonar os seus olhos e o seu espírito cansado de paisagens e de
aventuras.
Nós morávamos então
num enorme e secular sobrado, ex-morada particular dos governadores,
uma pesadíssima porta de entrada, as janelas irregulares, todo
pintado de vermelho, grandes quartos, nos quais eu e Elza nos
perdíamos durante o dia brincando de picula (...) Ao lado da
nossa casa ficava o ex-palácio do governo, quase a cair,
transformado em quartel onde alguns soldados habitavam, sujos e
preguiçosos. Em frente, o orfanato, seis freiras e oitenta meninas,
filhas de operários e pais ignorados. (...) As casas, todas
antiquadas e atijoladas, estendiam-se pela praça do convento e
equilibravam-se pelas ladeiras.
Leitura de Carlos Augusto Bráz.
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Eliene Marcelo leu trecho de País do Carnaval |
PAÍS DO CARNAVAL
[Violência contra mulher]
Paulo Rigger andava na
rua, ao léu. Sentia-se um estranho na sua Pátria. Achava tudo
diferente... Se aquilo acontecia no Rio, que seria na Bahia, para
onde iria residir em companhia da sua velha mãe?... Poderia,
conseguiria viver? E tinha uma grande nostalgia de Paris...
Teria que viver
burguêsmente... Não teria mais camaradas intelectuais... Ficaria
com o espírito obtuso... Talvez se casasse... Talvez fosse mesmo
morar na fazenda... Que fim para ele, degenerado, viciado, doente da
Civilização... Enfim...
Paulo Rigger parou em
frente de uma casa de discos. Uma marcha bem cantada enchia o espaço
com uma música estranha, nostálgica, cheia de um sentimento que
Paulo não compreendia. A Marcha rugia:
Essa mulher há muito
tempo me provoca...
Dá nela...
Dá nela...
- Isso deve ser a música
brasileira – pensou Rigger. A grande música do Brasil. E ficou a
escutar enlevado pela barbárie do ritmo. A alma do povo devia estar
ali... E como era diferente da sua... Ele não bateria nunca numa
mulher. A música bradava:
Dá nela...
Dá nela...
Leitura de Eliene
Marcelo.
POESIA DE JORGE AMADO
DIANTE DOS QUADROS DE JENNER AUGUSTO
Para fazer um quadro
assim tão belo
A receita, senhoras e
senhores, vos ensino:
Alvas areias altas dunas
casario antigo
O pássaro sofrê os
retorcidos santos
A humildade, o orgulho, a
dura consciência
O mistério das flores,
do caule, da corola
O boi, o porco, a cabra,
o vira-lata, o galo, a madrugada
O mar dos alagados, a
fome milenar
Nordestina universal, a
rútila esperança
A meninice, a tia, a
noite sergipana
A brisa da Bahia, o
patriarca, a puta
Fraternal, suave, doce,
triste, alegre, maternal
A música do cego, o
violão as cores desse céu
Dessa montanha, dessa
pedra, desse chão
Desse mundo e dos olhos
de Luíza
O riso dos meninos
A ausência dos meninos
O órfão indispensável,
recolhido sofrimento
Em riso rebentado da
infância oferecida.
Também é necessário,
senhoras e senhores, ter talento
Coração sangrando, ser
solidário, poço de bondade
Uns olhos fundos
apertados, um choro não chorado
Ser cangaceiro e santo,
ter sofrido e amado.
Como vêdes, senhoras e
senhores, é muito simples
Pintar um quadro tão
belo. Só é preciso
Ter vivido.
Leitura de Maria
Gloria.
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Kleckstane Farias compartilhou trecho de Suor |
SUOR [PALHAÇO,
lembranças...]
Não. Não foi um desses
grandes circos que percorrem as capitais do mundo com jaulas,
artistas internacionais, palhaços que falam várias línguas. Circos
que possuem navios próprios e animais raros, girafas e hipopótamos.
Nada disso. Fora um pequeno circo de feira cuja maior atração
consistia num urso velho que se embriagava com cerveja. Circo que na
Bahia se armava na Calçada, longe do centro da cidade. É verdade
que se chamava de Grande Circo Europeu. Não passava, porém de um
circozinho brasileiro, que percorria as cidades do interior, levando
prospectos amarelos, que acusavam ruidosos sucessos no Rio de
Janeiro, em Porto Alegre, em Maceió e em Oeiras. Muitos dos
assistentes pensavam que Oeiras era uma grande cidade da Europa.
No entanto, há dez anos
que Laudelino vivia com saudades do circo. Desde aquele dia que, em
Juazeiro, a companhia se dissolveu vendendo o urso e o pano para
fazer o dinheiro das passagens, Laudelino entristeceu. Há dez anos,
também, que morava no prédio. No seu quarto viam-se fotografias
velhas, uma sujas, outras rotas, nas quais ele aparecia
irreconhecível, vestido com uma bombacha verde, a cara caiada de
branco, desenhos na testa. Naquela época ele era o palhaço Jujuba,
encanto da criançada e dos habitantes das cidades perdidas no
interior. Dizia graças, levava cambalhotas, arrastando sempre aquele
bengalão que estava dependurado em frente à sua cama. Porém, o que
mais lhe deixara saudades foram as representações. Tinha uma queda
por aquilo e fazia invariavelmente o primeiro papel masculino.
Quantos sucessos... Lembrava dos cartazes... Mal ele entrava em cena
as palmas soavam. Na “Tomada da Bastilha” fizera a assistência
em peso chorar emocionada. Era seu grande sucesso. Quando agarrava o
conde pelo pescoço e gritava: Traidor! A plateia se levantava. Ia
tão longe tudo isso... dez anos já... metido no prédio restava-lhe
somente a alegria de contar as glórias passadas. E, desde a noite
que recitou um monólogo numa festa que seu Fernandes ofereceu passou
a ser apontado a dedo como o “artista”. As mulheres diziam:
- no quarto andar mora um
artista. Seu Laudelino... Já trabalhou num circo.
E Laudelino, depois de
contar aos homens no pé da escada as suas glórias, trancava-se no
quarto, vestia a bombacha verde e declamava, repetia piadas
velhíssimas, revia as plateias das cidadezinhas visitadas. Quando,
de repente, voltava à realidade do quarto malcheiroso, chorava,
chorava como chorava no dia em que a população de Oeiras o carregou
em triunfo.
Leitura realizada por
Kleckstane Farias.
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Rose Barbosa citou Tenda dos Milagres |
TENDA DOS MILAGRES
[Pelourinho]
No amplo território do
Pelourinho, homens e mulheres ensinam e estudam. Universidade vasta e
vária se estende e ramifica no Tabuão, nas Portas do Carmo e em
Santo Antônio Além-do-Carmo, na Baixa dos Sapateiros e nos
mercados, no Maciel, na Lapinha, no Largo da Sé, no Tororó, na
Barroquinha, nas Sete Portas e no Rio Vermelho, em todas as partes
onde homens e mulheres trabalham os metais e as madeiras, utilizam
ervas e raízes, misturam ritmos, passos e sangue; na mistura criaram
uma cor e um som, imagem nova, original.
Aqui ressoam os
atabaques, os berimbaus, os ganzás, os agogôs, os pandeiros, os
adufes, os caxixis, as cabaças: Nesse território popular nasceram a
música e a dança.
Ao lado da Igreja do
Rosário dos Pretos, num primeiro andar com cinco janelas sobre o
Largo do Pelourinho, mestre Budião instalara sua Escola de Capoeira
Angola: os alunos vinham pelo fim da tarde e à noitinha, cansados do
trabalho do dia, mas dispostos ao brinquedo. Os berimbaus comandam os
golpes, variados e terríveis: meia-lua, rasteira, cabeçada,
rabo-de-arraia, au de cambaleão, açoite, bananeira, galopante,
martelo, escorão, chibata armada, cutilada, boca de siri, boca de
calça, chapa de frente, chapa-de-costas e chapa-pé. Os rapazes
jogam ao som dos berimbaus, na louca geografia dos toques: São Bento
Grande, São Bento Pequeno, Santa Maria, Cavalaria, Amazonas, Angola,
Angola Dobrada, Angola Pequena, Apanhe a Laranja no Chão Tico Tico,
Iúna, Samongo e Cinco Salomão – e tem mais, óxente!, ora se tem:
aqui nesse território a capoeira angola se enriqueceu e transformou:
sem deixar de ser luta, foi balé.
A agilidade do Mestre
Budião é inaudita: haverá galo tão destro, leve e imprevisto?
Salta para os lados e para trás, jamais adversário algum conseguira
tocá-lo. No recinto da Escola demonstraram valor e competência,
todo o seu saber, os grandes mestres: Querido de Deus, Saveirista,
Chico da Barra, Antônio Maré, Zacaria Grande, Piroca Peixoto, Sete
Mortes, Bigode de Sêda, Pacífico do Rio Vermelho, Bom Cabelo,
Vicente Pastinha, Doze Homens, Tiburcinho de Jaguaribe, Chico Me Dá,
Nô da Empresa, e Barroquinha:
“Menino quem foi se mestre? Meu mestre foi Barroquinha Barba ele não tinha Metia o facão na policia e pairando tratava bem.”
Leitura realizada por
Rose Barbosa.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
AMADO,
Jorge. Capitães da Areia.
86ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 1996.
AMADO,
Jorge. O País do Carnaval - Cacau -
Suor. São Paulo: Martins, SD.
AMADO,
Jorge. Tenda
dos Milagres.
43.
ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
FURRER,
Bruno. Jenner.
São Paulo: Gráficos Brunner Ltda, 1980.