Entre
os dias 20/6 e 8/7, Museu Histórico de Sergipe realiza a ação educativa “Coleções
& Colecionadores”, como desdobramento da Exposição Temporária “Cédulas,moedas e selos: Memória e História na palma da mão”, da coleção Valdemar Neto, lançada no último dia 5 do
mês corrente.
A
atividade consiste em expor coleções particulares, objetos e seus proprietários,
além de fomentar a interação entre colecionadores e simpatizantes.
Para
as escolas que visitarão o Museu Histórico no período haverá uma programação
especial. Além do Fórum de debates implementado nas novas redes sociais (www.museuhsergipe.blogspot.com),
mostra de coleções diversas (cédulas, moedas, gibis, jornais alternativos,
bonecos, LP’s, etc) e palestra. Para facilitar o procedimento junto as
instituições educativas interessadas selecionamos dois textos: 1) PORQUE COLECIONAR? De Geraldo de
Andrade Ribeiro Junior, que fala da importância de colecionar; 2) O CAOS
E A ORDEM: AS FACES DO COLECIONISMO PATOLÓGICO, de Regina Wielenska, que discute como o hábito pode tornar-se um vício
(colecionismo patológico), inclusive sujeito a tratamento.
Escolas
e demais instituições interessadas em visitar o Museu Histórico de Sergipe e/ou saber mais
sobre a proposta de ação educativa COLEÇÕES & COLECIONADORES fazer contato:
(79) 3261-1435, museuhsegipe@gmail.com,
museu.sergipe@cultura.se.gov.br
TEXTO 1
José Mindlin (1914/2010), o maior colecionador de livros do Brasil |
PORQUE COLECIONAR?
Geraldo
de Andrade Ribeiro Jr*
Milhões
de pessoas colecionam os mais diversos objetos em todo o mundo. O que as leva a
isto? Numa primeira análise, colecionar poderia ser considerado apenas como uma
forma de entretenimento, um simples "hobby". Mas, uma análise mais
atenta, logo demonstra tratar-se de uma atividade mais profunda e importante: o
colecionismo, além da idéia básica de entretenimento, é uma arte e uma ciência
e desenvolve o aprendizado, sendo uma atividade cultural por excelência.
A
história relata, em diversas etapas do desenvolvimento humano, uma série de
pessoas, em diferentes locais, preocupadas em guardar, armazenar objetos, de
modo a preservá-los. Se isto não tivesse ocorrido, não teríamos, hoje, o
conhecimento que temos de nosso passado. Os grandes acervos, em todo o mundo,
quer particulares, quer de museus, arquivos, etc., iniciaram-se, em sua
maioria, por pequenas coleções particulares. (...)
Apesar
dos inegáveis atrativos que os modernos meios de entretenimento proporcionam às
pessoas, com estas maravilhas eletrônicas que hoje existem (computadores,
Internet, etc.), colecionar jamais será uma atividade extinta. Não se pode
deixar de constatar o irresistível charme e o fascínio que o ato de colecionar
exerce sobre as pessoas. A quase totalidade das pessoas já passou por uma
experiência colecionista, por mais breve que tenha sido, e quase todos, mesmo
não tendo prosseguido, tem uma palavra de atenção, de reconhecimento, de
carinho, de saudade e mesmo de admiração pelo que fez algum dia.
Faz-se
necessário esclarecer alguns tabus, ainda difundidos no Brasil, que atribuem
conotação pejorativa ao colecionismo, seja ele de qualquer natureza: ele é uma
atividade salutar e recomendada, bem como pode ser praticada por qualquer idade,
não sendo uma mera atividade recreativa infantil ou um passatempo a mais para a
terceira idade. A grande maioria dos colecionadores, segundo os cadastros
apontam, está exatamente entre estas faixas etárias. Todas as pessoas
colecionam algo, mesmo que não percebam. Podem ser caixas de fósforo,
chaveiros, sapatos, etc. Inadvertidamente ou não, sempre guardam objetos.
Segundo psiquiatras, colecionar é uma atividade absolutamente normal e
proporciona uma higiene mental. Felizmente, é algo absolutamente normal. Podem
ficar tranquilos, pois anormais são aqueles que não se interessam por nenhuma
outra atividade, além de sua atividade cotidiana, às vezes nem mesmo por ela...
O colecionismo e a
educação
Para
se ter uma idéia da importância do colecionismo, diversos países introduziram
uma de suas formas, a Filatelia (colecionar selos), em seus curriculos
escolares, considerando-se a sua importância didática, histórica e cultural. A
Filatelia, particularmente a Filatelia Temática, promove e supera metas pedagógicas,
ao se basear numa idéia central, diretriz, que se desenvolve através dos selos
postais.
Praticamente
em todas as matérias a Filatelia pode ser um importante auxiliar pedagógico, em
particular pode-se citar a História, a Geografia e as Artes, nas quais se
sobressai imediatamente a correlação com a Filatelia. Basicamente, trata-se de
ilustrar o tema com imagens. Ao manipular os selos, ao fixá-lo no álbum,
verificá-lo no catálogo, etc., a criança vê e revê, diversas vezes, a mesma
imagem. Com isto, além da memorização da imagem representada, tem a sua atenção
despertada para a importância do fato que veio a merecer a emissão de um selo
e, imediatamente, se bem orientada, pode fazer a sua correlação com os fatos
ligados ao tema que está ilustrando.
De
uma maneira lúdica, atrativa e agradável, o educador consegue, através da
prática da Filatelia, particularmente a fascinante Filatelia Temática,
desenvolver fundamentalmente no indivíduo dois princípios básicos: o formativo,
ao exigir o desenvolvimento de aptidões e das capacidades da pessoa e o
informativo ao proporcionar a aquisição de conhecimentos especializados
relacionados com o tema escolhido. Os benefícios didáticos, educacionais e
culturais advindos desta prática são evidentes e é inegável a sua atuação como
reforço ao currículo escolar.
A
adoção de um plano para uma coleção, de uma estruturação da mesma, implica em
raciocinar, criar, imaginar, pesquisar, estudar e observar regras, além de
relacionar-se com terceiros. Este conjunto de tarefas configura um trabalho
natural de observação, análise e síntese desenvolvendo aptidões e aumentado a
capacidade de aquisição de novos conhecimentos com a conseqüente elaboração e
expressão dos mesmos.
O
desenvolvimento de uma coleção, tornando-a dinâmica, moderna, maleável, cada
vez mais completa, induz, sempre a uma necessidade de um melhor trabalho, de
mais pesquisas e por isto mesmo motiva cada vez mais o trabalho a ser
desenvolvido. O ato de colecionar desenvolve a metodologia, o senso de
observação, a atenção e por fim a paciência, tão necessárias para um estudo em
profundidade de qualquer assunto. A pesquisa, item este tão importante e nem
sempre prestigiado pelos educadores é um elemento obrigatório para qualquer
forma de colecionismo, pois vai despertar o instinto de curiosidade,
fundamental para o prosseguimento de seus estudos. Paralelamente, a limpeza, o
rigor, a correção, elementos básicos da coleção serão elementos que lhe
servirão ao longo da vida escolar, em qualquer grau e até mesmo
profissionalmente, por toda a vida.
A
Filatelia, neste particular, é uma importante fonte de estudos e pesquisas,
pois os selos refletem diferentes imagens, de acordo com suas particularidades
e características, neles estão retratados os aspectos culturais e até mesmo a
História de uma nação pode ser contada por meio de seus selos postais,
guardadas as devidas proporções.
Colecionar
não é uma atividade elitista: pode se fazer uma coleção do tamanho do bolso de
cada colecionador. Deve-se iniciar uma coleção de forma bem simples, sem
preocupação financeira. A coleção vai crescer, tomar forma e rumo e, caso o
colecionador queira, poderá aumentá-la na medida de suas possibilidades.
O
colecionismo é algo que pode ser praticado por todos, sem nenhuma distinção,
pois as coleções são formadas por seus praticantes, no nível desejado ou
possível, desde uma coleção simples, até uma especializada, com as mesmas
qualidades, com o mesmo valor cultural e educativo, apenas com valor financeiro
diferenciado.
O
colecionador propriamente dito não objetiva o lucro. Seu investimento se baseia
na aquisição de conhecimentos, o que faz com que ele torne-se um especialista
em sua área. Se vier a ocorrer um lucro financeiro, este surgirá de maneira
espontânea, pois todo acúmulo de valores traz, afinal de contas, uma riqueza.
Duas
coleções, uma simples e modesta e outra, premiada e de alto valor financeiro, possuem
características em comum: o valor para seu proprietário, o mesmo objetivo, a
mesma paixão, a mesma importância, o seu aspecto cultural e, principalmente, a
gratificação que proporcionam aos seus organizadores, rigorosamente a mesma
para os dois colecionadores. Isto, mais do que um aspecto em comum, é uma
qualidade, que, demoraticamente, une e nivela os colecionadores.
Conclusão
Na
maioria dos países, as diversas formas de colecionismo são respeitadas e
admiradas, sendo objeto de catálogos especializados, exposições, mostras, etc.,
em locais públicos e de forma organizada. No Brasil ainda se está longe deste
reconhecimento, de forma geral, sendo que raros segmentos, como a Filatelia,
obtiveram reconhecimento. Considerada uma "ciência auxiliar da História",
pelo Congresso Internacional de Filatelia de Barcelona (Espanha - 1960), a
Filatelia tem seu valor reconhecido em nosso país pelo Ministério da Cultura
que incluiu a Filatelia na Lei Federal de Incentivo à Cultura, a "Lei
Rouanet". (...)
A
Filatelia, por sua vez, é diferente, sendo de colecionismo, de lazer, uma
inesgotável fonte de cultura e uma coleção de selos pode se desenvolver em
vários níveis, ao sabor do interesse do colecionador, sendo o segmento que
proporciona o maior retorno cultural. É o segmento de colecionismo mais
organizado em todo o mundo e no Brasil e graças a isto, vem resistindo, desde o
primeiro selo emitido, em 1840, ao surgimento de novas modas e formas de
colecionismo.
É
necessário incrementar a divulgação do colecionismo, rapidamente e com a
competência que a questão requer. Para isto, é necessário um trabalho sério e
permanente de marketing, realizado por especialistas, contando com a
colaboração de educadores e assessorados por pessoas das diversas áreas, com
experiência em educação em geral ou em cursos de cada modalidade de
colecionismo. Estes profissionais, embora raros, existem e devem ser convocados
para esta tarefa. Em nosso país, na área filatélica, as federações e clubes tem
procurado, dentro de suas limitações econômicas, a difusão da Filatelia em
todas as idades, em particular no âmbito da juventude.
* Geraldo de Andrade Ribeiro Jr. é filatelista desde 1959
e Presidente da Federação das Entidades Filatélicas do Estado de São Paulo e
Coordenador do Centro de Memória Filatélica do IHGSP.
TEXTO 2
O CAOS E A ORDEM: AS
FACES DO COLECIONISMO PATOLÓGICO
Regina Wielenska*
Recentemente
pediram-me para comentar sobre o sofrimento das pessoas que são desorganizadas
e arcam com as consequências nefastas desse padrão de comportamento. Não há um
só jeito de ser des/organizado.
Poderia
comentar sobre aqueles que não planejam suas rotinas e se perdem em meio aos
deveres e compromissos, sofrem com atrasos e tarefas acumuladas. Há também
pessoas que são atrapalhadas em aspectos mais abstratos e com repercussões
indesejáveis na vida prática, em aspectos não necessariamente ligados ao
gerenciamento do tempo (por exemplo, na maneira como organizam e expressam suas
ideias, ou quando lidam com suas finanças).
Assistir
um trecho do programa da apresentadora americana Oprah Winfrey sinalizou para
mim outra possibilidade, quero comentar sobre o colecionismo patológico, um
quadro psiquiátrico ainda negligenciado por profissionais de saúde, e pouco
conhecido da população em geral.
Refere-se
a um padrão comportamental caracterizado pelo acúmulo de quantidades excessivas
de itens com questionável valor utilitário ou material, associado à intensa
dificuldade para fazer o descarte desses mesmos objetos, resultando ao longo do
tempo, em prejuízo da qualidade de vida do indivíduo.
Já
participei do tratamento de casos assim, escrevi a respeito em periódico
científico, e posso atestar que, geralmente, a vida dos portadores do
transtorno resulta numa absoluta falta de ordem e arrumação, que consome as
pessoas, limita suas vidas e tem consequências devastadoras. A pessoa
provavelmente busca segurança e controle em sua vida, guarda a todo custos
objetos os quais acredita possam lhe ser remotamente úteis, e acaba por
produzir o caos incontrolável.
Colecionar
pode ser um hobby. Além do propósito de ampliar a coleção (selos, bonecas de
época, canetas, aeromodelos, latas de batata frita industrializada ou de
cerveja, etc.), colecionadores interagem entre si, buscam aprender mais sobre
seu objeto de interesse, sentem-se orgulho de seus pertences e sentem prazer ao
exibi-los a quem saiba apreciá-los. Neste caso, nada há de prejudicial, que
preocupe especialistas em problemas de comportamento.
No
entanto, há quem acumule descontroladamente, sem critério e organização, coisas
como papéis (comprovantes bancários de décadas, notas fiscais jurássicas,
papeizinhos para anotações, recortes de revistas), roupas imprestáveis, latas,
potes de vidro, pedaços de barbante, jornais velhos, a lista é interminável.
Descartar, por sua vez, é um verbo impossível de ser conjugado.
O
argumento básico de quem age assim é que aquilo "pode vir a ser
necessário, sabe-se Deus quando" e aí a pessoa estará preparada para a
ocasião. O problema é: quem conseguiria achar aquele parafuso específico,
guardado em meio a muitas pilhas de outras coisas, num cômodo quase
intransitável?
Há
poucos anos, na cidade de São Paulo, os vizinhos de uma senhora, residente no
bairro do Itaim Bibi, precisaram chamar as autoridades sanitárias. O odor que
emanava da casa era insuportável; aranhas, escorpiões e baratas formaram ali um
condomínio. Em meio a pilhas infectas e amontoados desordenados, encontraram
até um automóvel. Esse é um caso extremo, explorado pela mídia na época. A desocupação
foi feita à força, sob ordem judicial, e a pobre senhora, encaminhada - contra
sua vontade - para cuidados de saúde.
Os
portadores, em sua maioria, costumam manter alguma visão crítica sobre sua
condição. Embora convictos de que acumular tantas coisas seja lógico e razoável
(recomendo aos familiares que nunca tentem contra-argumentar, porque serão
derrotados). Usualmente dizem que chegará o dia em que conseguirão se
organizar, comprarão mais prateleiras, containeres, terão uma casa maior, farão
uma superarrumação e aí todos verão que a pessoa estava certa em guardar tudo
aquilo.
Sob
a crença de que apenas precisam ter chance de arrumar tudo melhor, passam anos
sem receber visitas, devido ao constrangimento produzido pelo escrutínio
alheio. Cômodos ficam intransitáveis, até a cama pode ter sua área livre
reduzida. Falta espaço para sentar, fazer refeições, praticar hobbies, receber
visitas e hóspedes, dar festas, para viver. Há casos, menos frequentes, de
colecionismo de animais. A pessoa vive em meio a cães e gatos, geralmente
coletados da rua, em plena imundície e ausência de cuidados como alimentação
apropriada, limpeza, vacinação e outras práticas de quem se preocupa com a
guarda responsável.
É
doloroso constatar quer esse comportamento não surge em sua exuberância máxima
da noite para o dia. É trabalho de formiga. Por anos a fio, as coisa se
processam disfarçadamente, em alguns casos com a cumplicidade, ativa ou
passiva, de algum membro da família. Examinando a história pessoal e familiar,
é comum identificar casos de depressão, transtorno obsessivo compulsivo,
compulsão por compras, entre outros transtornos. Também chama a atenção que a
vida dessas pessoas costuma ser empobrecida do ponto de vista psicológico, seja
como decorrência de perdas, negligência parental, abusos, déficits em
habilidades de comunicação (inassertividade, dificuldade na expressão de
necessidades e de sentimentos em geral) e /ou sociais.
Tratamento
Há
tratamento? Sim. Quase nunca a solução é simples, isenta de embates, conflitos,
hesitação e recaídas. O apoio de especialistas e a orientação da família são
fundamentais. O argumento básico, a ser usado com o portador, não passa pela
ênfase na insensatez de armazenar tanto lixo. Na verdade, buscamos discutir
quais os valores básicos da pessoa: seja propiciar uma vida de qualidade aos
que ama, ter espaço para convívio, zelar por um ambiente sem pó, mofo e
insetos, para assegurar a saúde de todos, etc. São criadas estratégias para
iniciar o descarte, classificar o que deve ser mantido e o que pode ser
vendido, reciclado, doado, ou jogado no lixo sem hesitação. Define-se um limite
para o quanto de cada item poderá ser mantido na casa, qual área deverá ser
preservada para circulação e outros usos que não o armazenamento. O bloqueio do
colecionismo é um projeto amplo, trabalhoso e vale cada minuto do esforço.
Tão
importante quanto reorganizar a vida de fora para dentro, é um investimento de
longo prazo na terapia, rica oportunidade para identificar o que influenciou e
ainda mantém o empobrecimento dos relacionamentos e dos interesses na vida.
Intervir sobre essa armadilha é essencial. Do contrário, estaremos
desconsiderando a totalidade da pessoa e focando apenas em uma dimensão do
indivíduo, seu patológico excesso comportamental. De certo modo, a intervenção
envolve recriar o ambiente doméstico, intervir de forma ampla sobre a qualidade
de vida e rever o que realmente faz diferença para a serenidade emocional e
vivência do prazer.
*Regina Wielenska - Psicoterapeuta na abordagem analítico-comportamental na cidade de São Paulo. Mestre e Doutora em Psicologia Experimental pela IP-USP. Atua como terapeuta e supervisora clínica, é também professora-convidada em cursos de Especialização e Aprimoramento. FONTE: http://www2.uol.com.br/vyaestelar/colecionismo.htm