sábado, 6 de outubro de 2012

Memórias do cangaço na pisada de Lampião

Grupo de Teatro e Xaxado "Na Pisada de Lampião". Foto: divulgação
 
 
 Jéssica da Silva Souza*
 
Localizado a 184 Km de Aracaju, Poço Redondo, município do sertão sergipano, carrega marcas muito fortes do cangaço em sua história. A morte de Lampião na Grota do Angico, a 28 de Julho de 1938, não pôs o cangaceiro e seu bando no esquecimento. Pelo contrário, trouxe diferentes formas de apropriação de sua memória pela população da região. O Grupo de Teatro e Xaxado Na Pisada de Lampião, criado em Julho de 1997 por Beto Patriota, Raimundo Cavalcante e Dionízio Cruz, surge como mais uma iniciativa em prol de manter vivas memórias do cangaço no município. Através do xaxado, dança que surge dentro do próprio cangaço, o grupo apresenta ao público um pouco das memórias passadas de pais para filhos ao longo do tempo.

Dança guerreira, o xaxado normalmente com estrofes improvisadas que falavam de situações do cotidiano da experiência do cangaço, geralmente carregava nas letras das músicas críticas à conjuntura social e política da época. No cangaço, estava ligada ao lazer, dançava-se em comemoração, por exemplo, à vitória em uma batalha contra uma volante. Sendo tipicamente masculina, pois no início não havia mulheres nos bandos, dançavam seguindo em fila indiana formando também figuras geométricas e colunas. Sempre armados, se divertiam geralmente ao som de algum instrumento musical ou somente ao das alpercatas de rabicho, junto com a marcação feita em seus rifles. O passo do xaxado, chamado de “pisada”, envolvia vários movimentos com os pés num rápido e deslizado sapateado.

Segundo Beto Patriota, um dos fundadores e atuais coordenadores do Grupo de Teatro e Xaxado Na Pisada de Lampião, eles buscam reproduzir a dança o mais próximo possível de como ela era na época do cangaço, mas também inovam e usam bastante a criatividade para criarem as coreografias. As músicas trazem em suas letras as mais variadas situações referentes ao cangaço ou tão simplesmente à vida do sertanejo, com sua religiosidade e crenças. Músicas bastante conhecidas como “Mulher Rendeira”, “Ave-Maria sertaneja” e “Cavalos do cão” compõem o repertório do grupo. E não somente isto, eles também se utilizam de encenações teatrais em suas apresentações. Cada um deles recebe o nome de alguns dos cangaceiros que pertenceram ao bando de Lampião, como por exemplo, Rogéria e Serginho que tem como personagens “Maria Bonita” e “Lampião”, e ainda Marcos, que representa o cangaceiro “Corisco”. Assim, a trupe monta cenas que geralmente divertem bastante o público pelo seu caráter cômico na representação dos “causos” contados sobre o bando de Lampião.

Através da dança, músicas e encenações, o grupo expressa a importância de Poço Redondo no cenário da história do cangaço. Isto permeia suas apresentações, onde buscam afirmar esse momento da História como parte de sua cultura. Assim, a memória do cangaço surge não apenas como lembranças, mas como um dos fundamentos da identidade dos moradores do município. Dentre os temas recorrentes, é possível destacar também a figura do sertanejo, mais especificamente do cangaceiro, como um homem valente, destemido, um homem que anda sempre armado para se proteger, e cuja valentia é motivo de honra e não de vergonha.

A figura da mulher cangaceira também é explorada pelo grupo, uma mulher que desafiava uma sociedade machista e conservadora. A cangaceira quebra o estereótipo da mulher comportada da época, mulher que não deveria pegar em armas e também nunca levantar a voz para ninguém. Outro tema abordado é a religiosidade. Os componentes entram em um momento de oração e se expressam no tocante a representar crenças do bando de Lampião. Há ainda a representação de festas, momentos de lazer, refeições e outros temas ligados ao cangaço.

Embora ainda haja uma grande disputa em torno das memórias do cangaço no tocante a figura de Lampião como herói ou bandido, o grupo teatral sertanejo está mais voltado para a apropriação dessas memórias como algo constitutivo de sua cultura. É inegável que Poço Redondo assumiu um lugar considerável no palco da história do cangaço. Na pisada de Lampião, os artistas locais afirmam isso através da música, da dança e do teatro, enfim, da arte.   


*Jéssica da Silva Souza é bolsista PET-História e graduanda em História pela UFS. O artigo integra as colaborações à coluna do Grupo de Estudos do Tempo Presente (GET/CNPQ/UFS). 
Fonte: Infonet

Um comentário:

  1. Cara Jéssica, parabéns pelo texto.Costumo dizer que Lampião teve 3 vidas: o cidadão comum, trabalhador e ordeiro, o cangaçeiro famoso, amado e odiado. A terceira vida manifesta-se nas artes em geral, o legado cultural que sobrevive mesmo passados setenta anos do massacre de Angicos. A apropriação por parte da população da cultura cangaceira mantém viva a lembrança do capitão e seus feitos.

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