terça-feira, 4 de novembro de 2014

RODA DE LEITURA HOMENAGEIA MULHERES NEGRAS

Jogral dos alunos do Colégio Graccho Cardoso.

Na tarde da última quinta (30/10) foi realizada a Roda de Leitura "Mulheres Negras", no auditório do Museu Histórico Sergipe. A ação educativa foi coordenada pelo historiador e poeta Thiago Fragata, diretor do Museu, que apresentou os contadores-parceiros Lola Arévalo Bernardes, Frei Romulo, João Lover, Deise Santos Nascimento e Denize Santiago da Silva, e os respectivos autores selecionados e suas obras. A seleta apreciada pelos presentes, maioria formada por alunos do Colégio Graccho Cardoso, foi assim formada: de Castro Alves, "A mãe do cativo"; de Conceição Evaristo, "Vozes-mulheres"; de Aglacy Mary, "Peles"; de Alzira Rufino, "Resgate"; e "Farpas aos contra cotas", do poeta coordenador. O tema desta ação-educativa foi inspirada no V Círculo dos Ogãs, evento que será realizada pela Ong Sociedade para o Avanço Humano e Desenvolvimento Ecosófico (Ong Sahude) entre os dias 18 e 21 de novembro próximo, semana da Consciência Negra.

O primeiro texto explorado foi “A mãe do cativo”, de Castro Alves, autor dos clássicos “Navio Negreiro” e “Vozes da África”. Alunos do Colégio Graccho Cardoso apresentaram jogral e o poeta Frei Romulo recitou a obra forma dramatizada. Aconteceu uma desconstrução dos versos para facilitar compreensão da poética engajada, abolicionista, social.
Poeta Frei Rômulo recita Castro Alves

A MÃE DO CATIVO


Autor: Castro Alves

Ó mãe do cativo! que alegre balanças
A rede que ataste nos galhos da selva!
Melhor tu farias se à pobre criança
Cavasses a cova por baixo da relva.

Ó mãe do cativo! que fias à noite
As roupas do filho na choça da palha!
Melhor tu farias se ao pobre pequeno
Tecesses o pano da branca mortalha.

Misérrima! E ensinas ao triste menino
Que existem virtudes e crimes no mundo
E ensinas ao filho que seja brioso,
Que evite dos vícios o abismo profundo ...

E louca, sacodes nesta alma, inda em trevas,
O raio da esperança... Cruel ironia!
E ao pássaro mandas voar no infinito,
Enquanto que o prende cadeia sombria! ...

II
Ó Mãe! não despertes a criança que dorme,
Com o verbo sublime do Mártir da Cruz!
O pobre que rola no abismo sem termo
Pra que há de sondá-lo... Que morra sem luz.

Não vês no futuro seu negro fadário,
Ó cega divina que cegas de amor?!
Ensina a teu filho - desonra, misérias,
A vida nos crimes - a morte na dor.

Que seja covarde... que marche encurvado...
Que de homem se torne sombrio réptil.
Nem core de pejo, nem trema de raiva
Se a face lhe cortam com o látego vil.

Arranca-o do leito... seu corpo habitue-se
Ao frio das noites, aos raios do sol.
Na vida - só cabe-lhe a tanga rasgada!
Na morte - só cabe-lhe o roto lençol.

Ensina-o que morda... mas pérfido oculte-se
Bem como a serpente por baixo da chã
Que impávido veja seus pais desonrados,
Que veja sorrindo mancharem-lhe a irmã.

Ensina-lhe as dores de um fero trabalho...
Trabalho que pagam com pútrido pão.
Depois que os amigos açoite no tronco...
Depois que adormeça com o sono e um cão.

Criança - não trema dos transes de um mártir!
Mancebo - não sonhe delírios de amor!
Marido - que a esposa conduza sorrindo
Ao leito devasso do próprio senhor! ...

São estes os cantos que deves na terra
Ao mísero escravo somente ensinar.
Ó Mãe que balanças a rede selvagem
Que ataste nos troncos do vasto pomar.

III
Ó Mãe do cativo, que fias à noite
À luz da candeia na choça de palha!
Embala teu filho com essas cantigas...
Ou tece-lhe o pano da branca mortalha.


Poeta João Lover recita Conceição Evaristo
O poeta João Lover fez a leitura de Vozes-mulheres, de Conceição Evaristo. Aproveitou para fazer considerações sobre “o grito que perpassa as gerações, como eco, o grito da liberdade que constitui a substancia da poesia”.


VOZES-MULHERES

Autora: Conceição Evaristo



A voz de minha bisavó ecoou
Criança
Nos porões do navio
Ecoou lamentos
De uma infância perdida


A voz de minha avó
Ecoou obediência
Aos brancos-donos do mundo.

A voz de minha mãe
Ecoou baixinho revolta
No fundo das cozinhas alheias
Debaixo das trouxas
Roupagens sujas dos brancos
Pelo caminho empoeirado
Rumo a favela.

A minha voz ainda
Ecoa versos perplexos
Com rimas de sangue
E fome

A voz de minha filha
Recolhe todas as nossas vozes
Recolhe em si
As vozes mudas caladas.
Engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha
Recolhe em si
A fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.

Na voz de minha filha
Se fará ouvir a ressonância
E o eco da vida-liberdade.


Deise Nascimento lendo "Peles"
A professora Deise Santos Nascimento recitou a poesia “Peles”, de Aglacy Mary. A vibração do seus alunos e os versos provocaram uma catarse na plateia, uma “com fusão”, conforme diz a bela poesia.

PELES

Autora: Aglacy Mary



Bela confusão
A pele negra escondida
sob a noite que lhe cai
Não sei onde é mais bela
Se à luz contrastante do dia
Ou mesmo ali
Entre o crepúsculo e o amanhecer
Onde a vejo
Banhando-se na minha lua
Do lado de dentro da minha rua
Bela 
Com fusão
Em mim.


Contadora Denize Santiago recita "Resgate"
A diretora do Museu de Arte Sacra, Denize Santiago, fez leitura da poesia “resgate”, de Alzira Rufino. Sem tergiversar, enfatizou na economia dos versos a identidade do povo brasileiro.

RESGATE
Autor: Alzira Rufino 

Sou negra ponto final
devolvo-me a identidade
rasgo minha certidão
sou negra
sem reticências
sem vírgulas sem ausências
sou negra balacobaco
sou negra noite cansaço
sou negra

Ponto final. 




Lola Arévalo recita com dedo em riste


Por fim, Lola Arévalo Bernardes recitou a poesia “Farpas aos contra cotas”, de Thiago Fragata. A menina de 7 anos encantou a todos com a performance.


FARPAS AOS CONTRA COTAS

Autor: Thiago Fragata



É contra as cotas!?
Tenha dó
Não sente o chicote do racismo
açoitando a lei maior...

É contra as cotas!?
Cresceste na sociedade triste, racista, torta
Que segrega pela cor e renda familiar
Quer a Educação para os eleitos
Os poucos que a Sociedade abre portas...

É contra as cotas!?
Porque tem pena das contas
das contas do fim do mês
Tens filhinho na escola paga
E quer o melhor só pra ele, ok?
O fim do teu preconceito está longe, irmão
nem consegue enxergar...


Os poetas Frei Romulo e João Lover, recém-chegados na comunidade sancristovense, mostraram grande satisfação em participar pela primeira vez das rodas de leituras que segundo Thiago Fragata acontecem na cidade desde abril de 2011. 


GALERIA DE IMAGENS 

 
 
 
 
 


 CRÉDITO DAS FOTOS: FLAVIA SANTANA (SAHUDE)

Um comentário:

  1. Sempre importantes as Rodas do Museu. Sinto-me honrada pela presença de um texto meu nessa Roda.

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